No início de “Além da Linha Vermelha” (Thin Red Line, 1998), filme que retrata a Batalha de Guadalcanal (1943) entre americanos e japoneses, o personagem de Jim Caviezel, em uma de suas reflexões existenciais, questiona:
“haveria uma guerra no seio da natureza?”
Uma pergunta como esta, realizada mediante a mera observação, em Schopenhauer certamente encontraria a seguinte resposta: existe a Vontade, que é esta que não se cabe em si mesma, e não cessa. Esta Vontade é a mesma, em todas as formas, vivas ou não, desde organismos mais simples até em estruturas mais complexas, a saber, o próprio homem.
O que ela quer, a Vontade? Segundo Schopenhauer, essa volição, esse movimento, quer apenas deixar de ser, aniquilar-se. Por isto mesmo e também é que a filosofia do autor foi taxada de pessimista, pois que considera o inconformismo latente da mesma como algo que produz experiências de dor e sofrimento, que é capaz de conduzir o homem ao desespero na medida em que não é objetivada, saciada.
Mas há aspectos dessa filosofia que produzem efeito contrário, virtuoso, que é quando o homem opta por renunciar a esta “força” passando, portanto, a se aproximar de modos mais contemplativos de existência e, por conseguinte, anulando o sofrimento. Na arte, por exemplo, o sujeito (que é aquele que conhece sem ser conhecido) seria capaz de perceber o belo, a simetria, a harmonia, e isto lhe seria prazeroso exatamente pelo fato de o sujeito atuar como observador, enquanto o objeto (aquele que é conhecido sem conhecer) observado exibe, em sua natureza, o eterno conflito de forças que, naquele dado instante, não é o do observador. Quer seja em cenas trágicas ou em românticas – como aquelas existentes em nossas obras de arte, desde as mais clássicas até as mais modernas – quer seja em cenas desta natureza em que o homem é retratado em todas suas variações emocionais, nossa apreciação nasce exatamente quando o expectador se coloca, digamos, à parte do campo de batalha.
Mas dizer que a Vontade se manifesta em todos os seres animados não encerra todo o debate. Schopenhauer vai mais além e isto desde o primeiro capítulo de sua obra “O Mundo como Vontade e Representação”, sua obra magna. Nela, propõe que a Vontade determina tudo o que conhecemos: “o mundo é minha vontade”. Essa é uma afirmação inovadora e polêmica já que atribui ao conhecimento uma particularidade que antecede à razão e que, à parte desta, poderia mesmo ser chamada de irracional ou, melhor dizendo, intuitiva.
Isto, no contexto iluminista (século XVIII) em que Schopenhauer vivia, certamente o tornou impopular, valendo-lhe a indiferença dos acadêmicos, em oposição ao sucesso que obtinha junto ao público culto e artistas de sua época. Mas é importante salientar que toda a exaltação que se fazia em torno da racionalidade humana cai por terra em Schopenhauer, na medida em que o conhecimento advindo da intuição iguala o homem aos animais, sendo esta – a intuição – o ponto de partida de nossos desejos mais elementares, tais como a alimentação e reprodução, encontrando no homem formas mais articuladas de se manifestar.
A Vontade irá ditar regras de relacionamentos inclusive sociais, onde o que é bom é aquilo que a satisfaz, que à ela está diretamente submisso e a seu serviço. Mas um ponto inigualável que vejo em Schopenhauer, dado o relativo eurocentrismo de sua época – e talvez esboçado em Voltaire, na sua obra “Cândido”, onde o protagonista só encontra sua felicidade quando se dispõe a “cuidar de seu jardim” – é a aproximação com o Oriente, com a perspectiva hinduísta e budista, onde a supressão da Vontade fará do homem um ser livre, ao mesmo tempo em que o aproximará da santidade, na medida em que abre mão de seus quereres em prol do próximo. Sob esta ótica, o santo é aquele que melhor espelha o predomínio da intuição sobre a racionalidade.
Nietzsche, que combatia a supressão da vontade considerando-a com negação da vida, talvez não tenha entendido que, longe de promover uma geração de monges e artistas, Schopenhauer apenas realizava um estudo sistemático e filosófico, não atribuindo para si a responsabilidade profética de um Zaratrustra, por exemplo, mas a de um expressivo pensador, que a partir de Kant, concebeu uma obra que, de tão original, se colocava muito à frente de seu tempo.
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