segunda-feira, 21 de outubro de 2013

GRAVIDADE



Viver em total vertigem *

Na academia e no ponto de ônibus haviam me perguntado sobre o que trata o filme.
— Ah, é sobre uma astronauta que fica perdida no espaço...
            Parece simplista dizer, mas é isso mesmo. Porém, a maneira que essa história nos é exposta fornece a justificativa de esse ser uma das melhores produções do cinema em 2013.
É curioso como um filme que conta na maior parte do tempo com uma personagem cujas ações são lentas e seus diálogos quase monólogos, pode prender a atenção em plena era da velocidade e do ruído exacerbado da cultura urbana. Chama também a atenção o modo como o recurso do 3D dialoga com a história, como se fosse quase um personagem, o tempo todo nos educando quanto aos limites físicos que a gravidade zero impõe à protagonista. As gotas de sangue, as chamas de fogo, as lágrimas que flutuam, o parafuso que gira em direção ao nada – e ao espectador, também perdido na imensidão.  São recursos extremamente sutis que se tornam parte da narrativa, o que torna a expressão usual “os efeitos salvaram o filme” absurda, pois nesse caso os efeitos se aliam ao roteiro e são parte da história, contribuindo com a humanização da personagem. Kubrick conseguiu algo similar com a história de 2001-Uma Odisseia no Espaço (1968), mas não com os personagens, pois o contexto assim o pedia – lembro aqui que o computador HAL 9000 era mais humano que toda tripulação daquela nave.
Talvez seja por isso que Gravidade seja tão tocante. A sinfonia do silêncio, o olhar da personagem em direção ao companheiro que se afasta. A distância irreversível da perda de quem se gosta e confia. Alguém poderia atender a seu pedido e ensiná-la a orar? Como lidar com as limitações, essas mesmas que nos tornam tão atrapalhados para coisas simples? E, por fim, como seres limitados podem superar as tragédias pessoais ocultas na gravidade diária.

Se houve uma época em que Sandra Bullock materializava toda a futilidade da América – e é estranho dizer isso na Internet – isso ficou enterrado no passado daqueles filmes menores que ditavam a regra de que para fazer sucesso devia-se ser boçal. Não é o caso de agora, em que olhos e corações (e pulmões!) estão colados na assustada personagem que, lançada no escuro do universo, faz da luta pela sobrevivência um contínuo renascer e, nesse ponto, se torna parecida com aquilo que cada um de nós tem de mais humano: a própria consciência dessa humanidade e de quanta fragilidade isso representa. Afinal, somos apenas um corpo lançado na imensidão. Lindo, é o que há para ser dito.

 * “quando não restava nada” (R. Marcato)


E nós voamos (Sl.90-10)