quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Die heat

for Vallery

iremos morrer

pela última vez nesse frio e nesse vento

iremos morrer

abraçados

ouvindo o ranger de portões de madeira, galhos secos e

folhas sob a chuva.


morreremos

mais uma vez sob a nuvem densa

o badalar preguiçoso dos sinos

o barbante dos carretéis e as pipas perdidas


no teu abraço somente reconheço o agasalho

longe do abandono das mesas frias

das praças e os troncos gélidos do domingo à tarde


por mais uma vez

morreremos, quietos na tarde

na densidão da tarde.

Brand new pain


As novas dores
o dia jogado ao corpo

e fere

andou léguas
mergulhou ao fundo
escalou até o limite

e no final

estava

um estranho sem mundo

sábado, 18 de dezembro de 2010

1 Coríntios 4:21

"Que quereis? Irei ter convosco com vara ou com amor e espírito de mansidão?"

Evasão - Two


O agito das mãos estendidas no
azul neon da plateia de Tiesto,
a Vontade, em Schopenhauer

De que vontade subsiste o mar...

A comemoração das torcidas e sua glória,

a volta de Cristo.

o céu, oceano aberto.
de que tipo de fome falamos,
e quem é seu dono...

viver é fuga de útero.

True blue








O sol nada escondeu
Pois que as poças d’água secaram
onde quer que estivessem

Eram quase oito horas da noite
as luzes dos postes dos novos bairros entre pastagens
eram de um tom abóbora

e muito calmo

Sábado de horário de verão
nenhuma mentira
Pétalas de luz
Pequenos lírios e suas pétalas de luz.

Platão e a expulsão do poeta em A República



A expulsão do poeta da cidade perfeita, narrada no Livro III de A República e, mais intensamente no Livro X, teria a finalidade de afastar o cidadão das más influências, de conhecimentos que não iriam formar a pessoa para cumprir seu papel na pólis grega. Os poetas, naquele período, tinham grande apelo popular, e sintetizavam aspirações populares, como riqueza, poder, luxo. Um exemplo, seria a guerra de Tróia, em que o interesse pessoal de um indivíduo compromete toda a harmonia da cidade. Nesse caso, o rapto de Helena, empreendido por Páris, apenas por motivos passionais.

Atualmente, seria o mesmo que expulsar a Rede Globo – e canais abertos afins – da sociedade, pois ela não cumpre um papel educador, mas de banalização de valores e da valorização dos bens de consumo, que a mantém – como os poetas, que recebiam por suas narrativas, coniventes com as necessidades populares.

Mas nem tudo é condenação do poeta. Afinal, ele será glorificado por Heidegger como aquele que será capaz de apreender a essência do mundo.

Em Aristóteles, a arte é um meio termo entre a Verdade e o Entretenimento. Ela tem um fim terapêutico. Produz a cessação dos conflitos, a Catarse, e não a Verdade. Essa Catarse é proporcionada pela identificação do espectador com o personagem, que corresponde aos dilemas e prazeres experimentados por todos. Essa correspondência é a característica da Mimesis, imitação empreendida pelo artista.

domingo, 28 de novembro de 2010

Sobre o fim do mundo...


O alardeado fim do mundo, que seria, em outras palavras, o fim da espécie humana, representaria afinal, o fim de Deus. Isto se considerarmos que a história do homem é a história do sopro divino na matéria inanimada que, tendo lhe sido dada a vida, povoou a terra com sua história, por meio desse mesmo sopro, verbalizado nas ações cotidianas.



Deus povoou a história. Todos os povos deixaram sua marca. Mas, no contexto religioso – cristão – somente o povo de Deus perpetuará sua existência neste mundo, ou em algum outro mundo, a critério deste Deus Criador, a quem o homem glorifica e que é glorificado por meio deste homem, muito embora a Divindade não necessite de nada para ser Deus. Sua consciência de Si é auto-suficiente.


Entretanto, Deus optou por nos criar, e essa criação é eterna na medida em que subsiste no ideal de adoração própria de Deus. Adoração eterna para um Ser que é Eterno, implica na eternidade mesma do adorador. Conseqüentemente, o fim do mundo nunca existirá verdadeiramente, no sentido em que habitualmente é utilizado no senso comum.


Numa palavra, as coisas existem para serem vistas. O mundo aí está, e ele nos é dado. É algo que é dado para alguém. É fato que nem todas as coisas que existam possam, talvez, ser vistas, como, por exemplo, um planeta desconhecido que nem imaginamos que exista. Mas a questão é que este planeta não é, ainda, integrante do “mundo que nos é dado”, e sim mundo a ser conhecido a partir do “mundo que nos é dado”. Sem o primeiro, o mundo que é dado, nada haveria, nem mesmo o átomo, que não nos é visível a olho nu. Sem o primeiro, nada seria possível de haver, a não ser Deus, pleno e autosuficiente, imerso nas possibilidades da dinâmica de suas criações.

sábado, 20 de novembro de 2010

The River - P J Harvey

P J HARVEY
The River


O Rio

and they came to the river

E eles vieram para o rio

and they came from the road

E eles vieram da estrada

and he wanted the sun

e ele quis o sol

just to call his own

apenas para chamar a si mesmo

and they walked on the dirt

e eles andaram na lama

and they walked from the road

e eles andaram do caminho

til they came to the river

até chegarem ao rio

til they came up close

até chegarem perto



Throw your pain in the river

atire sua dor no rio

To be washed away slow

para ser lavada devagar



and we walked without words

e eles andaram sem palavras

and we walked with our lives

e eles andaram com as nossas vidas

two silent birds

dois pássaros quietos

circled by

passaram perto

Like our pain in the river

Como a nossa dor no rio



and we followed the river

e nós seguimos o rio

and we followed the road

e nós seguimos a estrada

and we walked through this land

e nós caminhamos por esta terra

and we called it a home

e nós a chamamos de lar

but he wanted the sun

mas ele quis o sol

and I wanted the whole

e eu quis tudo

and the white light scatters

e a luz branca dispersa

and the sun sets low

e o sol se põe fraco

Like the pain in the river

como a dor no rio

sábado, 6 de novembro de 2010

Alethéia















os olhos: câmeras à imensidão


— do que há: o que na tela se vê

imagem, abertura

passagem

olhar etéreo


os olhos: câmeras às miríades,

planetas vaga-lumes

planaltos de imagens

trespassam organismos

a fúria ofegante

passagem


precipitam-se no abismo de flâmulas

vidros recortados

como num flash


os olhos: disparos

imagem na cabine da nave


oculto:

o que ainda não se alcançou

blind alone

Nós não vimos o contorno das montanhas ...
















     E nós não vimos o contorno das montanhas.

The Look Of Love

THE LOOK OF LOVE








Dusty Springfield




The look of love is in your eyes

O brilho do amor está em seus olhos

The look your heart can't disguise

Aquele que seu coração não consegue disfarçar

The look of love is saying so much more

O brilho do amor diz muito mais coisas

Than just words could ever say

Que qualquer palavra poderia dizer

And what my heart has heard

E o que o meu coração ouviu

Well, it takes my breath away

Bem, tira o meu fôlego


I can hardly wait to hold you

Mal posso esperar pra te abraçar

Feel my arms around you

Sentir meus braços ao seu redor

How long I have waited

Quanto tempo esperei !

Waited just to love you

Esperei só pra te amar

Now that I have found you.

Agora que te encontrei


You've got the look of love

Você tem o brilho do amor

It's on your face

Está em seu rosto

A look that time can't erase

Um brilho que o tempo não pode apagar

Be mine tonight

Seja minha essa noite

Let this be just the start

Deixe ser isso o começo

Of somany nights like this

De muitas noites assim

Let's take a lover's vow

Vamos fazer um voto para o amor

and then seal it with a kiss

E então selar com um beijo



Don't ever go

Nunca vá

Don't ever go

Nunca vá

I love you so

Eu te amo tanto

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Filme: Tropa de Elite 2




Fiquei intrigado com a grande fila de espera para a sessão de cinema em uma sexta-feira à noite. Aos que retornavam insatisfeitos da bilheteria esgotada, os ingressos nas mãos dos adolescentes na fila pareciam artigos de luxo. E detalhe: as duas salas estavam lotadas! Tratava-se do lançamento do filme Tropa de Elite 2. A agitação se mostra interessante por dois motivos. Primeiro, por se tratar de um filme brasileiro. Segundo, por não ser um filme caça-níquel sobre espiritismo, o mais novo câncer cor-de-rosa da nossa triste nação idólatra capitaneado pelos escritos do charlatão Xavier. Não, dessa vez era um filme sobre policiais corruptos e bandidos inocentes, tráfico de drogas, milícias e articulações políticas.
Não tendo conseguido ingresso na noite de lançamento, retornei no dia seguinte, à tarde. Desta vez, de forma muito mais tranqüila, o filme começa para uma plateia de vinte e poucas pessoas. Adultos lançados na matinê. E o filme começa.
A abertura de Tropa 2 é estranha. Aquela medonha música tema retorna e é entrecortada por flashes que relembram trechos do primeiro. Ninguém começa filmes deste jeito. É cafona, é verdade, como o próprio subtítulo “o inimigo agora é outro”. Mas dá certo. A partir daí, como no anterior, a narrativa da história é realizada pela voz do Capitão Nascimento. Diga-se de passagem, é um cabide, já que a história deveria ser capaz de se desenvolver sozinha. Tudo bem. Afinal, o Capitão – uma década e alguns anos mais velho – é um bom contador de histórias e ponto. Então o filme prossegue. Cenas de tiroteios nas favelas, helicópteros sobrevoando as casas, as quadras de futebol, muita tensão, diálogos chulos e guitarras pesadas trespassando as cenas mais impactantes. Mas diferentemente dos “momentos Charles Bronson” do primeiro, esta seqüência soa como um daqueles filmes cult que, no início da proliferação das locadoras de filmes em VHS, ficariam melhor instalados na seção “policial”. Isso por conta de haver diálogos mais longos, elaborados, e o roteiro ser mais robusto, mesmo com algumas passagens apelativas, como no drama familiar do protagonista, em que sua ex-esposa se torna mulher de um sujeito que ganha a vida contestando a atuação repressiva de grupos como o BOPE.
Por causa desse personagem, aliás, Nascimento é retirado das ruas e, através de uma jogada política, é promovido. Assim, passa a atuar na Secretaria de Segurança do Estado, na área de Inteligência. Função muitas vezes burocrática, suas investigações o conduzem às ramificações do mundo do crime, materializado nas instâncias mais carentes da sociedade e sustentado por um sistema corrupto, que acoberta seus mentores. De policiais a políticos influentes, ninguém é inocente. A grandiosa cena em que a câmera sobrevoa o Congresso Nacional em Brasília sob um discurso anticorrupção de Nascimento, é um clichê que todo cineasta que se preze gostaria de cometer. É a cena da vez. E em um ano eleitoral, isso não é pouco. Muitas verdades são ditas, e a ideia de justiça é renovada. Ninguém estar acima da lei, este seria um ideal a ser perseguido e adotado. Parece ser esta a mensagem. Quem não gostaria de surrar um parlamentar? Eu sei, é um pensamento perigoso, mas o Capitão Nascimento realiza nosso desejo. Comento com um amigo, na poltrona ao lado – que curiosamente é delegado, em outra cidade – “se essa moda pega”. Ele concorda: “ah, se essa moda pega...”.
O Nascimento, de Wagner Moura, lembra muito o inspetor que sofria de úlcera, interpretado por José Mayer, em Agosto, de Rubem Fonseca. São personagens fortes, tensos, que parecem reconhecer nos impulsos, ainda que irracionais, a resposta mais adequada a nossa sede de justiça. E muitas vezes, durante o filme, incorporamos esta atitude. Neste sentido, digno de nota é o parceiro de Nascimento, André, estereótipo do brasileiro herói e anônimo, que tem de vencer um leão por dia. Sua ética, na prática, produz boas reviravoltas na trama, garantindo momentos eletrizantes, que são os que irão prevalecer ao término do filme.
O resultado final é satisfatório, tanto como ficção quanto como instrumento reflexivo da realidade, capaz de suscitar debates sobre pontos tão complexos quanto múltiplos acerca do crime organizado, da justiça e política no país.
Volto pra casa pensando na divulgação da mídia, na lotação das salas dos cinemas país afora, e na significativa parcela de espectadores que não irá gostar do filme. Talvez ele traga falatório demais, provocações demais. Pouco afeito aos questionamentos de dualismos fáceis, seria o público capaz de compreender a obra? Sim, se considerarmos as leituras críticas dos mais amadurecidos, e não, se considerarmos que as feições de produto pop que a mídia vem concedendo ao filme são enganosas, equivocadas. Seja como for, Capitão Nascimento, definitivamente, não é Chico Xavier. Isso já é um bom começo.

Crônica: Café em Cabul



[Uma crônica tricordiana]


O som, como o de uma imensa vassoura, vinha da rua, através da janela. Disso falamos na cafeteria. A previsão, no telejornal, anunciava uma terça-feira fria e, depois de sessenta e alguns dias de espera, chuva. A possibilidade é comemorada. O telhado estava apinhado das folhas secas do jardim empoeirado do terreno ao lado. Ruas vazias. Dizem por ...
Dizem por , de uns dias para . Falam sobre uma ideia estranha de que para vencer na vida você tem de ir embora, para outra cidade. Passar em algum concurso e ter um emprego destes que você tem o salário de uma pessoa adulta, um salário que não seja feminino, do tipo que para pagar a assinatura da Marie Claire. Assim, pode-se até comprar um carro. E ir a festas tolas para conhecer alguém interessante. Parece não fazer sentido. Nas horas vagas, como ao voltar pra casa, pensar em casamento, de modo diferente de tudo até então, com o pôr-do-sol migrando do asfalto ao pára brisa e, depois, avermelhando-se no retrovisor. Há muitas formas de se evadir nesta vida. Ir a eventos culturais, ou não. Ir a shows de cowboys, ou não. Ir se entediar com Beethoven, ou não. Certa vez eu desejara ver aquele Ozzy do início, ao vivo, no campo de futebol do bairro, erguendo seus braços envoltos naquelas largas camisas desfiadas por longas barbatanas, como a dos apaches das historinhas do Tex. E ficaríamos aplaudindo riffs de jurássicas gargantas, instrumentos e suas impressões de sinos, de parafusos soltos na madeira corroída, gasta, velha, esfarelando. E isso resgataria, de algum lugar, um passado volitivo. Em nós.
Tapar os ouvidos, a ponto de ouvir somente o que interessa. Isto não se faz, não no deserto. Por enquanto ainda temos o cinema. Os Iñarritu, quando chegam, costumam durar uma semana. E as poltronas ficam ali, estáticas diante da tela. Boquiabertas, sem som possível. E desse modo, também eu, neste último Chris Nolan.
A ideia de que a cidade é um vilarejo-prisão, quem incutiu em nós? Nas ruas sujas centrais, penso no pavor que deve ter sentido D.João VI em 1808 ao chegar ao Rio de Janeiro, muito menor que Três Corações... mas continuamos a não ter realeza, aqui... e a Europa, dizem, nunca fora um lugar muito limpo, como a China daquela época, ou as ruas do império asteca antes dos espanhois.
Nos acostumamos às aberrações, então me lembro que amanhã, pela manhã, os varredores de rua estarão recolhendo todo o fruto cultural de nossa Bienal dos botecos, da propaganda de supermercados, lojas, consultórios odontológicos e candidaturas. Poderíamos ser melhores do que isso? Não me faça mais perguntas. Não tão difíceis.
Nas vilas, as crianças resmungam. As bolas ricocheteiam nas grades, na quina das calçadas. Os caminhões desaparecem na fumaça dos ninjas. O vento está acontecendo. No seu cabelo. Ou no seu riso de buquê de flores. Nas mãos dadas do bebê de colo com sua mãe, no ponto de ônibus. Sabem disso os idosos, admirando-se. Sabem os tímidos ipês de uma rua em reforma, esburacado Afeganistão nosso de cada dia.
Há duas árvores que se curvaram, diante da torrente do rio. Um ritmo ditado em silêncio. E entre nove e dez da manhã, elas ficam luzentes. Como um cartão postal destinado a felizes andarilhos, é o único lugar sob a ponte que vale a pena ser visto.
Não temos tempo para nós. Porque não vivemos neste tempo. Somos pessoas sem fim. Reticências, em nossas camisetas, nos fariam personagens dos quadrinhos, heróis com seus símbolos e finalidades. Então, enquanto lanço meu iô-iô, o presente-sônico, o hoje-agora, o eco ressoa. Sons. Que sons. Que somos.
Uma mão muito invisível levava a rua, para baixo e para cima. E depois de muito tempo, a água escoava. E ouço o som da chuva.

Roberto Ferreira: afegão tricordiano.

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Letra: Pearls

 SADE

 PEARLS

 


 

Pérolas

There is a woman in Somalia
Há uma mulher na Somália
Scraping for pearls on the roadside
Mendigando pérolas na estrada
There's a force stronger than nature
Há uma força maior do que o normal
Keeps her will alive
Que a mantém viva
This is how she's dying
Esta é a forma como ela está morrendo
She's dying to survive
ela está morrendo para sobreviver
Don't know what she's made of
Não sei o que está fazendo da vida
I would like to be that brave
Eu gostaria de ter sua coragem

She cries to the heaven above
Ela clama aos céus
There is a stone in my heart
Existe uma pedra no meu coração
She lives a life she didn't choose
Ela vive uma vida que não escolheu
And it hurts like brand-new shoes
E machuca como marcas de sapatos novos
Hurts like brand-new shoes
machuca como marcas de sapatos novos

There is a woman in Somalia
Há uma mulher na Somália
The sun gives her no mercy
O sol não lhe é misericordioso
The same sky we lay under
Sob o mesmo céu em que estamos
Burns her to the bone
Seus osso queimam
Long as afternoon shadows
Com a mesma lentidão que as sombras ao entardecer
It's gonna take her to get home
Isto lhe tira de casa
Each grain carefully wrapped up
Cada grão cuidadosamente guardado
Pearls for her little girl
Pérolas para sua menininha

Hallelujah
Aleluia
Hallelujah
Aleluia

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Recomendamos: A ORIGEM


A ORIGEM

Resumo: Um grupo especializado em entrar em sonhos de outras pessoas, seja para obter informações ou plantar “ideias”. O objetivo é mudar as opiniões de quem está sonhando, suas intenções ou, até mesmo, torná-las diferentes de tudo aquilo que haviam sido até então.

Ponto alto: as construções dos sonhos, perfeitamente alinhados ao que o roteiro exige.

Ponto altíssimo: os vários níveis de sonho que, inclusive, possibilitam sonhos dentro de outros sonhos, criando novas dimensões e culminando no limbo, as regiões onde os sonhos são mais distantes do controle das mentes que os constróem.

Ponto super altíssimo: as relações de tempo entre um nível de sonho e outro.

Carta na manga: o fio condutor ser um drama romântico.

Ápice dos ápices: o clímax de três histórias juntas, dos mesmos personagens, caminhando para um só desfecho. Algo inovador, já que isto sempre acontece entre personagens distintos. Aqui não. São os mesmos, indo na mesma direção, em três situações distintas.

Implicações metafísicas e epistemológicas: saber o que é real e o que é um sonho.

Dilemas metafísicos e epistemológicos: o que é melhor, ficar no mundo real ou no mundo dos sonhos?

Trilha sonora: marcante.

Roteiro: Você irá falar do filme durante um bom tempo depois de tê-lo visto.

Grau de parentesco: tudo o que o primeiro Matrix poderia ter sido e não foi.

Momento cético 1: Se você não entrar no filme, vai achar que é um desperdício de esforço um grupo de pessoas articular um plano tão engenhoso quanto este de obter informações ou implantar outras na mente das pessoas. Mas esta possível impressão do “muito barulho por nada” só ocorre se o roteiro não te envolver. O que é um desafio de toda produção humana (não só artística) e que inclui considerar as inclinações pessoais do público-alvo. Assim, o filme talvez seja indicado apenas para “iniciados” em produções que fazem esta ponte contemporânea da ficção-psicologia-filosofia-ação-aventura-romance. Mas seria ótimo que os não iniciados soubessem aproveitar algo do que o filme tem a dizer. Talvez por isso o quesito romance tenha sido tão bem arranjado na trama. E o Di Caprio protagonizando tudo.

Momento cético 2: Talvez não fique muito claro como é o processo de alinhamento dos sonhos de todos os integrantes do grupo. Mas pode ser que, na versão em cinema, a parte didática do assunto tenha sido reduzida.
Não ignorar: o Michael Cayne e o Tom Berenger.

Conclusão: “A Origem” é uma experiência vertiginosa.

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Todos os dias são letivos


[Crônica tricordiana]


As tardes de sábado, novamente, estas tardes. Os transeuntes não atrapalham ninguém. Vão às compras, às lojas. E saem felizes pelo dia azul afora. É inverno. Meu Deus, penso. A cidade está indo embora. E as pessoas são estas paisagens. Dizem sim ok oi olá talvez e não. Sons da rua, tingida por agasalhos. Por pouco tempo. Mais algumas semanas e retornarão às gavetas.

Atravessando a rua. O tempo seco, uma ou outra nuvem. Fumaça dos fogos nos campos ao longe. Lugar pequeno. Nos vimos três vezes, em locais diferentes. Meus amigos usam óculos escuros. Contam piadas e histórias absurdas. Nos cumprimentamos três vezes no mesmo dia. Rimos nas esquinas, à sombra, e combinamos de montar aquela banda de rock. O tempo estava passando. Serviríamos chá entre uma música e outra? Todo mundo envelhece, até mesmo aquelas mulheres que faziam o coro dos refrões do Pink Floyd naquele show em Pompéia. Você viu o filme e as danças do Michael! A voz dele permaneceu boa até o fim. E a do Bono, fazia tempo que já não estava lá grande coisa.

Por enquanto tomo um café. Minhas novidades, digo-lhes, são as mesmas. Poucas coisas mudam. Os autores dos livros. Platão. Salomão. Caminhadas à tarde e apego ao silêncio. A habitual reclusão pontuada por diálogos intermináveis. Díspares eventos, idênticas intensidades. Por não dizer bom dia, uma senhora brigou comigo. Parou-me na rua duas vezes. Respondi-lhe, sou tímido. E ela ignorou.

Conquanto não quisesse sofrer, a Copa do Mundo não me interessou. Caminhei por vários bairros. Ruas vazias, silenciosas, tensas. A voz grave do Galvão era seguida por vaias distantes, xingamentos e hurras. À margem da pista do ginásio, rapazes enrolavam sua seda calmamente, sob a árvore. Ninguém os incomodaria hoje. Viraram-se, ao mesmo tempo, na direção das casas do outro lado do rio. Aplausos, foguetes e cornetas. Gol. Foi gol. Mas, dias depois, bandeiras cabisbaixas e passos apressados se consolavam na praça e na avenida. O pranto da moça da padaria, do outro lado da rua, me informou sobre a derrota. Conquanto não quisesse sofrer, aquecia minhas mãos nos bolsos, naquelas tardes frias.

Aquelas coisas do coração, das quais falava Salomão, me puseram numa situação estranha e quase hostil, em que os objetos eram frios como instrumentos cirúrgicos. Fiquei tateando algo a que pudesse me apegar e ter algum assunto a dizer. Sinceramente, não tenho nada a dizer sobre assuntos passionais, confessei aos amigos, no banco da praça. Então fiquei ouvindo seus relatos. Dores superadas e outras nem tanto. Durante dias fiquei pensando nisto. E escrevi versos. E conclui: todos os amores são tristes. E só se ama uma vez. E escrevi um e-mail a uma pessoa querida, com sinceros pedidos de desculpas. Fica-se pequeno nestas horas. Tudo tem seu preço. Não sofrer tem seu preço. Todos os amores são tristes. Só se ama uma vez. Minhas mãos tremiam nos bolsos, naquelas horas.

Semana passada foi início de férias, e mais alguns dias, recomeçam as aulas. Na última tarde você pode caminhar nos corredores. As carteiras vazias, os quadros, os cartazes com as assinaturas de letrinhas no canto inferior. Quando se fica mais velho, ter um nome parece exigir tanta responsabilidade. As crianças e os adolescentes. Estão subindo seus degraus. Há tanto sofrimento no mundo e isto já foi dito. Gente nova e já machucada, instruindo-se para a sociedade. A cidade irá se renovar. Um dia terão seus filhos. E as aulas recomeçam.

Olho pela janela, pela última vez no inverno, de onde os estudantes costumavam assistir, nos intervalos, o torneio disputado por suas classes. Desço e fico o restante do horário com os poucos alunos que foram à escola. Os meninos jogavam futebol na quadra. As meninas brincavam. Brigavam entre si, sem motivo. Depois, jogaram futebol, de modo desajeitado. Corriam. Sorridentes. Eram quatro horas da tarde. O sol, frágil, gradualmente glacial, tinha seus raios ligeiramente interrompidos pelas silhuetas eufóricas que esparramavam-se no dia, no pátio da quadra, em sombras estiradas que faziam, dos corpos, gigantes em uma espécie de dança, bonita e triste. Solitária.

Há dias em que eu não tenho palavras, disse a mim mesmo, na última tarde. As crianças iriam crescer, e seriam encaminhadas à cidade. Aos sábados. Iríamos nos ver em lojas e supermercados. Muitos iriam embora, porque as pessoas são estas janelas. Elas teriam seus filhos. Dançariam suas músicas. Iriam se machucar. Correndo ao sol. Aulas recomeçando.

sábado, 14 de agosto de 2010

Pascal: "O coração tem razões..."





Blaise Pascal


O coração tem razões ...



     Nascido em Clermont-Ferrand, 19 de Junho de 1623 — Paris, 19 de Agosto de 1662, foi um físico, matemático, filósofo e teólogo francês.
     Abaixo, alguns trechos capitais da obra "Pensamentos".



Artigo II – Miséria do homem sem Deus


120 – A natureza diversifica e imita, a arte imita e diversifica.



Artigo III – Da necessidade da aposta


206 – O silêncio eterno desses espaços infinitos me apavora.
222 – Ateus – que motivos eles tem para afirmar que ressuscitar é impossível? Que era mais difícil: nascer ou ressuscitar, o que jamais foi seja o que for ou o que já foi ainda? Será mais difícil chegar a ser ou voltar a ser? O hábito torna uma coisa fácil, enquanto a ausência de hábito faz a outra impossível: maneira vulgar de raciocinar!



Artigo IV – Dos meios de Crer

253 – Dois excessos: excluir a razão, só admitir a razão.

269 – Submissão e uso da razão, nisso consiste o cristianismo.
273 – Caso tudo fosse submetido à razão, nada haveria em nossa religião de misterioso ou sobrenatural. Caso se contrariem os princípios da razão, nossa religião será absurda e ridícula.
277 - O coração tem suas razões, que a razão não conhece: percebe-se isso em mil coisas. Digo que o coração ama o ser universal naturalmente e a si mesmo naturalmente, segundo aquilo a que se aplique; e ele se endurece contra um ou outro, à sua escolha. Rejeitastes um e conservastes outro: será por causa da razão que vos amais a vós próprios?

278 – É o coração que sente Deus, não a razão. A fé é o Deus sensível ao coração, não à razão.
279 – A fé é um dom de Deus; não penseis que a consideramos um dom do raciocínio. As outras religiões não dizem isso de sua fé: só davam o raciocínio para alcançá-la, o qual, no entanto, não a alcança.

Artigo VI – Os Filósofos

339 – Posso conceber um homem sem mãos, pés, cabeça (pois só a experiência nos ensina que a cabeça é mais necessária do que os pés); mas não posso conceber o homem sem pensamento: seria uma pedra ou um animal.


Artigo VII – A moral e a doutrina

438 – Se o homem não é feito para Deus, por que só se sente feliz em Deus? Se o homem é feito para Deus, por que é tão contrário a Deus?

Artigo VIII – Fundamentos da religião cristã

582 – Transforma-se a própria verdade num ídolo; porque a verdade, fora da caridade, não é Deus: é sua imagem, é um ídolo que não se deve amar nem adorar; menos ainda se deve amar e adorar o seu contrário, que é a mentira.


Fonte: Os Pensadores, Abril Cultural.

quarta-feira, 28 de julho de 2010

O rio






          O rio







o rio é um tipo de respiração

profunda

que mergulha no silêncio de dentro

da gente


queria ou cantar ou assoviar estas notas:

descansa, chuva

desvanece, sol

Fédon



FÉDON

(Destaque: Aristócles, mais conhecido como Platão)

Cenário: Sócrates, às vésperas de sua execução, dialoga com Fédon sobre a morte e o destino de sua alma. Para ele, a vida do verdadeiro filósofo seria uma preparação para a morte, que consiste na libertação da alma do cárcere do corpo.

Desde o princípio – prosseguiu Sócrates – não se segue que os filósofos precisam pensar e dizer: a razão deve seguir apenas um caminho em suas investigações, enquanto tivermos corpo e nossa alma estiver absorvida nessa corrupção, jamais possuiremos o objeto de nossos desejos, isto é, a verdade. Porque o corpo nos oferece mil obstáculos pela necessidade que temos de sustentá-lo, e as enfermidades perturbam nossas investigações. Em primeiro lugar nos enche de amores, de desejos, de receios, de mil ilusões e de toda classe de tolices, de modo que nada é mais certo do que aquilo que se diz correntemente: que o corpo nunca nos conduz a algum pensamento sensato. Não, nunca! Quem faz nascer as guerras, as revoltas e os combates? Nada mais que o corpo, com todas as suas paixões. (...) Eis o motivo de não termos tempo para pensar em filosofia. (...) Enquanto estivermos nesta vida não nos aproximaremos da verdade...(...) Desta forma, livres da loucura do corpo, (...) conheceremos por nós mesmos a essência das coisas, e talvez, a verdade não seja mais do que isso.
Fonte: Platão, Os Pensadores.

Comentário: A ideia da existência de uma substância superior chamada alma – na qual não acredito – em detrimento do corpo irá influenciar todo o cristianismo medieval. Entretanto, no mundo contemporâneo, é a Corpolatria – o culto ao corpo – que tem predominado, em detrimento da alma   termo que utilizo aqui em seu sentido amplo, designando o não físico, não material como, por exemplo, o caráter da pessoa.


Letra: Nude



Nude

Radiohead







Don't get any big ideas
Não tenha grandes idéias
They're not gonna happen
Elas não vão acontecer
You paint yourself white
Você se pinta de branco
And feel up with noise
E se sente com problemas
But there'll be something missing
Mas ali estará alguma coisa faltando.


Now that you've found it, it's gone
Agora que você encontrou, se foi
Now that you feel it, you don't
Agora que sente isso, não sentirá
You've gone off the rails
Você vai sair fora dos trilhos


So don't get any big ideas
Então não tenha grandes idéias
They're not going to happen
Elas não vão acontecer
You'll go to hell for what your dirty mind is thinking
Você irá para o inferno pelo o que sua mente suja pensa.