Distinção entre falácias e argumentos: como o Ministro da Fazenda nocauteou o diretor de Avatar
Nem todos os raciocínios que construímos, ou aos quais somos submetidos, são corretos e válidos. Muitos deles, em menor ou maior grau, apresentam erros formais que, em sob uma análise crítica, os desqualificam. Em filosofia, justamente estes erros e imprecisões são chamados de falácias. São erros de construção lógica que acabam por contaminar os raciocínios e, conseqüentemente, as argumentações.
As falácias são classificadas como formais e não-formais. As primeiras são aquelas em que os erros são identificados em sua própria estruturação, ou seja, na própria forma como expressamos, com imprecisões intencionais ou não, aquilo que queremos fazer parecer verdadeiro. Pode-se dizer que falácias formais apresentam erros “por dentro” de sua construção.
Ex 1: Todo homem é mortal [Premissa 1]
Sócrates é homem [Premissa 2]
Logo, Sócrates é mortal. [Conclusão]
Ex 2: Todo homem é mortal [Premissa 1]
Sócrates é mortal [Premissa 2]
Logo, Sócrates é homem. [Conclusão]
No exemplo 1, as premissas, inevitavelmente, conduzem a uma conclusão que, além de ser válida, é também verdadeira. Ou seja, as informações nos levam a uma conclusão indubitável.
Já no exemplo número 2, não podemos dizer o mesmo. Repare que este apresenta uma grave incorreção que, embora pouco perceptível, põe em questão seu valor de verdade. O fato de Sócrates ser mortal não determina que ele seja um homem. Sócrates poderia ser o nome, por exemplo, de meu animal de estimação, que é igualmente mortal. Esse é um caso típico de falácia formal. Ou seja, identificamos o erro de raciocínio na estrutura do próprio argumento, em seu interior. É um erro por “dentro”, por assim dizer.
Já no caso de falácias não-formais, os erros não são visíveis em sua forma, mas são perceptíveis através da realidade, do contexto que, de maneira indireta influencia nosso julgamento, agindo como elementos de convencimento. Podemos dizer que as falácias não-formais apresentam erros “por fora” de sua estrutura argumentativa.
Uma das falácias não-formais mais comuns são as chamadas falácias do “apelo à autoridade”. Ela ocorre quando a veracidade de uma conclusão é associada à reputação de quem a profere. No caso, uma reputação adquirida pela excelência apresentada por determinada pessoa em alguma outra área que não aquela sobre a qual a opinião se refere.
Exemplo:
― A dengue assola a cidade. Devo estar infectado, pois o doutor Adolfo afirmou que apresento os sintomas.
― O doutor Adolfo é seu médico?
― Não. Mas é um excelente advogado.
Atualmente, a falácia de autoridade é um recurso muito utilizado em marketing, que recorre à exposição da imagem de celebridades para atrair o consumidor. Assim, jogadores de futebol participam, por exemplo, de propaganda de automóveis. Evidentemente, sabemos que o personagem em questão não possui conhecimentos suficientes para dizer que o produto que está representando é superior ao do concorrente. Ou seja, o uso de sua imagem é um recurso falacioso para chancelar a qualidade do produto e, é claro, alavancar suas vendas.
Justificando o título da matéria, e concluindo nosso raciocínio sobre falácias formais e, sobretudo, falácias não-formais, recentemente tivemos um exemplo de falácia de autoridade envolvendo o diretor James Cameron (de Titanic e Avatar). Trata-se da polêmica construção da hidrelétrica de Belo Monte, no Pará. Cameron, que se opõe ao projeto, é simpatizante de causas ambientais e costuma usar o peso de seu nome para atrair a atenção da mídia para tais questões, como fez o Sting (ex-The Police), no final dos anos 80.
Mas acerca dos protestos de Cameron, que até se comprometeu a entregar uma carta escrita pelos índios locais ao presidente Obama, o Ministro da Fazenda Guido Mantegna, muito preciso em suas declarações, afirmou o seguinte: "O James Cameron é excelente cineasta, mas ele não é muito bom economista. É a mesma coisa que eu começar a dar palpite no cinema e sugerir que o 'Avatar' deveria ser feito com outra coloração. Acho que cada um deveria ficar na sua área de especialidade e não se meter onde não entende do assunto".
Vemos aqui o exemplo de uma refutação socrática que, notadamente, prevaleceu sobre uma atitude sofista. Como não é objeto de nosso pequeno estudo investigar as complexas questões que envolvem a construção da hidrelétrica, nos limitamos exclusivamente a fazer uma introdução ao conceito de falácias que, se tivesse maior pretensão, estaria forçando o argumento e incidindo em uma nova modalidade de erro: o da falácia do “apelo à piedade”, que consiste em justificar a fragilidade do raciocínio apelando para a misericórdia do interlocutor. Espero que não seja esse o caso.
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