Recentemente, com a convocação da seleção de futebol para o evento que ocorrerá em junho, o treinador Dunga, em seu discurso à imprensa, proferiu diversas vezes o termo “coerência” que, segundo ele, serviu de critério na composição de sua lista de convocação dos atletas. Na repercussão da notícia, o termo ficou em evidência tanto na opinião dos comentaristas esportivos quanto na opinião da população.
No caso de Dunga, certamente ele se referia ao fato de que, trabalhando com um determinado grupo de jogadores, seria “incoerente” se, de repente, atendendo ao clamor popular, convocasse outros com quem ainda não havia tido oportunidade de treinar.
Entretanto, remontando à maneira dos gregos que, desde os primórdios da filosofia ocidental, se questionam através do seu “o que é”, tentamos lançar alguma luz sobre o termo questionando “o que é coerência?”.
De acordo com o dicionário Houaiss, coerência pode significar “ligação, nexo ou harmonia entre dois fatos ou duas idéias; relação harmônica, conexão”, significando ainda “uniformidade no proceder, critério que assegura a não-adoção de decisões baseadas em incertezas e cujas conseqüências são nitidamente indesejáveis”. Etimologicamente, coerência se origina do latim, cohaerentia,ae 'conexão, coesão', significando também ‘estar ligado, junto'.
Coerência evoca também certas implicações filosóficas, mais especificamente na disciplina Epistemologia – ou Teoria do Conhecimento –, que estuda, entre outras questões, os processos mentais, a relação entre experiência e razão na constituição do conhecimento, a impossibilidade do erro, a certeza da verdade, o ceticismo e até mesmo de que forma podemos afirmar que conhecemos ou não alguma coisa.
As teorias epistemológicas se dividem em dois pontos de vista:
Fundacionalismo: afirma que o conhecimento deve ser concebido como uma estrutura que se ergue a partir de fundamentos sólidos e seguros. A figura de um edifício ou pirâmide, construído sobre uma base consistente e irrevogável ilustra esta afirmativa, em que ao filósofo cabe identificar o que concede validade a este fundamento.
Coerentismo: um conjunto de afirmações que se reforçam mutuamente, sem que esteja fundamentado na certeza. A verdade de uma proposição reside na relação que ela estabelece com outros conhecimentos, consistentes, que a fortalecem. Para ilustrar essa teoria, poderíamos usar a imagem de um barco ou aeroplano, sustentado pela estabilidade das forças envolvidas, que mantém seu funcionamento.
Portanto, as decisões de Dunga apresentaram características coerentistas, ou seja, basearam-se em conhecimentos considerados válidos, estabelecidos bem antes da convocação, e que se ligaram a outros conhecimentos posteriores, que reforçaram os primeiros. Se tivesse uma atitude fundacionista, ele teria agido diferente, o que seria considerado ousado, porque parte de um pressuposto de novidade. Isto resultaria, por exemplo, na convocação de outros atletas a partir de uma afirmativa irrevogável, capaz de sustentar-se por si própria. No caso, a convocação de jogadores que despontaram recentemente, simplesmente porque são bons.
Assim, podemos ver que Dunga foi “coerente com sua coerência” e, quer se concorde ou não com suas decisões, ao menos no que diz respeito ao uso do termo, ele está totalmente certo. Se isto ganha campeonato, aí já é outra história.
Fonte: Dicionário Houaiss, Dicionário Oxford de Filosofia, Guia de Filosofia Zahar, J. Epistemologia Contemporânea, Edições 70, Greco, J. & Sosa, E. Compêndio de Epistemologia, Edições Loyola, Kim, J. & Sosa, E.
quarta-feira, 12 de maio de 2010
Filosofia e Atualidade:
O que é coerência?
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Tomare, essa, coerência, ganhe a copa!
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