As feridas abertas de Babel
O grande nome do Oscar de 2008, que não levou a estatueta de melhor filme, é mais um enredo de narrativa fragmentada do diretor Mexicano Alejandro Gonzalez Iñarritu que, desta vez, explora a idéia da incomunicabilidade entre os seres humanos, filhos da tecnologia e dos relacionamentos virtuais.
Trata-se de quatro histórias que se desenvolvem paralelamente, aparentemente sem um ponto em comum, mas que aos poucos vão se entrelaçando e ganhando corpo. Estilo este que ganhou notoriedade com Short Cuts (1993), de Robert Altman, e influenciou tantas boas obras, incluindo 21 gramas e Amores Brutos – imperdíveis –, de Iñarritu, que compõem sua trilogia do caos.
Neste, um casal americano passa uma temporada (férias?exílio? terapia?) em um deserto marroquino. Pretendem se curar de uma perda que abalou seu relacionamento. Por que viemos para cá?, pergunta a mal-humorada Susan (Cate Blanchet). Para ficarmos sós, responde desolado o enrugado Richard (Brad Pitt, com olheiras que remetem a Benicio Del Toro em 21 gramas).
Perto dali, um humilde camponês presenteia, com um rifle, seus dois filhos, Ahmed (Said Tarchani) e Youssef (Boubker At El Caid), garotos na puberdade. Para espantar os chacais que devoram suas cabras, ele alega. Essa arma irá desencadear os eventos que ligarão os protagonistas. Aos garotos pertencem a parte mais bela do filme, o vento no topo da montanha, pessoas livres, sem dor.
Enquanto isso, nos Estados Unidos, a imigrante mexicana ilegal, Amélia(Adriana Barraza), que trabalha como babá, precisa visitar seu país para participar da festa de casamento do filho. Como não consegue uma folga do trabalho, leva consigo os filhos de seus patrões. Detalhe: um casal de crianças lourinhas, angelicais. Atenção para esta história. Aqui está personificada a colonização ao contrário. Ou seja, os brancos, desta vez, são vítimas da indolência e irresponsabilidade dos nativos do Novo (Terceiro) Mundo. O choque cultural é inevitável. Novamente, aqui, os adultos atrapalhando tudo. Voltar para os EUA com um motorista bêbado e sem visto de entrada? E o pior, com duas crianças americanas, adormecidas no banco de trás? Quem escreveria um roteiro destes? Bem, em se tratando dos filmes de Iñarritu, tudo é possível. Os personagens estão no limiar de sua vida. Vivendo em total vertigem, diria um poeta tricordiano marcatiano. Obviamente que o tema da imigração não é novo. Crash (2005), filme que você poderia assistir em slow motion só para apreciar melhor a obra, dissecou o assunto. Entretanto, a cena do deserto é muito sugestiva. Qual o lugar das crianças num mundo onde os adultos não sabem aonde ir?
Em Tókio, a adolescente Chieko quer existir. Seu tumultuado relacionamento com o pai (um personagem chave, quase um arquétipo do insistente Deus cristão e seu amor incondicional) acentua a já deficitária comunicação entre eles. Surda-muda, traumatizada com a perda de um parente, ela deseja ser amada, a seu modo. E é ela quem torna a linguagem uma presença de importância quase sólida. A linguagem do toque. O mesmo toque ignorado pelo entediado casal americano no ônibus marroquino, para ela, teria um sentido redentor. Decepcionada com a arrogância das pessoas que possuem todos os sentidos, as chamadas pessoas normais, Chieko sai com os amigos em busca de experiências. Seu comportamento auto-destrutivo é quase criminoso. À ela pertence a segunda cena mais angustiante da obra. Seu deserto não é como o da mexicana à procura das crianças. O dela é o ritmo frenético dos jovens de uma danceteria multicolorida, embalados pelo som que ela não pode ouvir. Sua nudez, tão explorada o tempo todo (chega a ser ultrajante, a ponto de o expectador se perguntar “por que?”) tem a ver com o fato de ela querer se esconder. O único momento em que é capaz de emitir um som, ela chora.
Pessoas no limite. Culpas. Desentendimentos. Um certo clima de ameaça terrorista e arrogância americana que, se pretendiam ser elementos pertinentes da trama, não foram bem sucedidos, secundários que se tornaram tamanha a austeridade dos dramas menores, que dizem respeito ao mundo particular das pessoas comuns.
Babel é uma fábula sobre o homem moderno. Sobre as crianças que devemos ser, seja para nos libertarmos dos pesos existenciais, seja para alcançarmos o Reino dos Céus. Fazendo uso do inglês, espanhol, berbere, japonês ou da linguagem dos sinais, é um filme onde as imagens falam num idioma à parte, transcendendo a importância narrativa das próprias histórias. Talvez seja a maneira que Iñarritu encontrou de partilhar sua fé, ainda que nas entrelinhas, como se sussurrasse.
O grande nome do Oscar de 2008, que não levou a estatueta de melhor filme, é mais um enredo de narrativa fragmentada do diretor Mexicano Alejandro Gonzalez Iñarritu que, desta vez, explora a idéia da incomunicabilidade entre os seres humanos, filhos da tecnologia e dos relacionamentos virtuais.
Trata-se de quatro histórias que se desenvolvem paralelamente, aparentemente sem um ponto em comum, mas que aos poucos vão se entrelaçando e ganhando corpo. Estilo este que ganhou notoriedade com Short Cuts (1993), de Robert Altman, e influenciou tantas boas obras, incluindo 21 gramas e Amores Brutos – imperdíveis –, de Iñarritu, que compõem sua trilogia do caos.
Neste, um casal americano passa uma temporada (férias?exílio? terapia?) em um deserto marroquino. Pretendem se curar de uma perda que abalou seu relacionamento. Por que viemos para cá?, pergunta a mal-humorada Susan (Cate Blanchet). Para ficarmos sós, responde desolado o enrugado Richard (Brad Pitt, com olheiras que remetem a Benicio Del Toro em 21 gramas).
Perto dali, um humilde camponês presenteia, com um rifle, seus dois filhos, Ahmed (Said Tarchani) e Youssef (Boubker At El Caid), garotos na puberdade. Para espantar os chacais que devoram suas cabras, ele alega. Essa arma irá desencadear os eventos que ligarão os protagonistas. Aos garotos pertencem a parte mais bela do filme, o vento no topo da montanha, pessoas livres, sem dor.
Enquanto isso, nos Estados Unidos, a imigrante mexicana ilegal, Amélia(Adriana Barraza), que trabalha como babá, precisa visitar seu país para participar da festa de casamento do filho. Como não consegue uma folga do trabalho, leva consigo os filhos de seus patrões. Detalhe: um casal de crianças lourinhas, angelicais. Atenção para esta história. Aqui está personificada a colonização ao contrário. Ou seja, os brancos, desta vez, são vítimas da indolência e irresponsabilidade dos nativos do Novo (Terceiro) Mundo. O choque cultural é inevitável. Novamente, aqui, os adultos atrapalhando tudo. Voltar para os EUA com um motorista bêbado e sem visto de entrada? E o pior, com duas crianças americanas, adormecidas no banco de trás? Quem escreveria um roteiro destes? Bem, em se tratando dos filmes de Iñarritu, tudo é possível. Os personagens estão no limiar de sua vida. Vivendo em total vertigem, diria um poeta tricordiano marcatiano. Obviamente que o tema da imigração não é novo. Crash (2005), filme que você poderia assistir em slow motion só para apreciar melhor a obra, dissecou o assunto. Entretanto, a cena do deserto é muito sugestiva. Qual o lugar das crianças num mundo onde os adultos não sabem aonde ir?
Em Tókio, a adolescente Chieko quer existir. Seu tumultuado relacionamento com o pai (um personagem chave, quase um arquétipo do insistente Deus cristão e seu amor incondicional) acentua a já deficitária comunicação entre eles. Surda-muda, traumatizada com a perda de um parente, ela deseja ser amada, a seu modo. E é ela quem torna a linguagem uma presença de importância quase sólida. A linguagem do toque. O mesmo toque ignorado pelo entediado casal americano no ônibus marroquino, para ela, teria um sentido redentor. Decepcionada com a arrogância das pessoas que possuem todos os sentidos, as chamadas pessoas normais, Chieko sai com os amigos em busca de experiências. Seu comportamento auto-destrutivo é quase criminoso. À ela pertence a segunda cena mais angustiante da obra. Seu deserto não é como o da mexicana à procura das crianças. O dela é o ritmo frenético dos jovens de uma danceteria multicolorida, embalados pelo som que ela não pode ouvir. Sua nudez, tão explorada o tempo todo (chega a ser ultrajante, a ponto de o expectador se perguntar “por que?”) tem a ver com o fato de ela querer se esconder. O único momento em que é capaz de emitir um som, ela chora.
Pessoas no limite. Culpas. Desentendimentos. Um certo clima de ameaça terrorista e arrogância americana que, se pretendiam ser elementos pertinentes da trama, não foram bem sucedidos, secundários que se tornaram tamanha a austeridade dos dramas menores, que dizem respeito ao mundo particular das pessoas comuns.
Babel é uma fábula sobre o homem moderno. Sobre as crianças que devemos ser, seja para nos libertarmos dos pesos existenciais, seja para alcançarmos o Reino dos Céus. Fazendo uso do inglês, espanhol, berbere, japonês ou da linguagem dos sinais, é um filme onde as imagens falam num idioma à parte, transcendendo a importância narrativa das próprias histórias. Talvez seja a maneira que Iñarritu encontrou de partilhar sua fé, ainda que nas entrelinhas, como se sussurrasse.
“Venham, desçamos e confundamos a língua que falam, para que não entendam
mais uns aos outros. Assim o Senhor os dispersou dali por toda a terra...".
Gênesis 11:7-8 NVI
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