Fiquei intrigado com a grande fila de espera para a sessão de cinema em uma sexta-feira à noite. Aos que retornavam insatisfeitos da bilheteria esgotada, os ingressos nas mãos dos adolescentes na fila pareciam artigos de luxo. E detalhe: as duas salas estavam lotadas! Tratava-se do lançamento do filme
Tropa de Elite 2. A agitação se mostra interessante por dois motivos. Primeiro, por se tratar de um filme brasileiro. Segundo, por não ser um filme caça-níquel sobre espiritismo, o mais novo câncer cor-de-rosa da nossa triste nação idólatra capitaneado pelos escritos do charlatão Xavier. Não, dessa vez era um filme sobre policiais corruptos e bandidos inocentes, tráfico de drogas, milícias e articulações políticas.
Não tendo conseguido ingresso na noite de lançamento, retornei no dia seguinte, à tarde. Desta vez, de forma muito mais tranqüila, o filme começa para uma plateia de vinte e poucas pessoas. Adultos lançados na matinê. E o filme começa.
A abertura de Tropa 2 é estranha. Aquela medonha música tema retorna e é entrecortada por flashes que relembram trechos do primeiro. Ninguém começa filmes deste jeito. É cafona, é verdade, como o próprio subtítulo “o inimigo agora é outro”. Mas dá certo. A partir daí, como no anterior, a narrativa da história é realizada pela voz do Capitão Nascimento. Diga-se de passagem, é um cabide, já que a história deveria ser capaz de se desenvolver sozinha. Tudo bem. Afinal, o Capitão – uma década e alguns anos mais velho – é um bom contador de histórias e ponto. Então o filme prossegue. Cenas de tiroteios nas favelas, helicópteros sobrevoando as casas, as quadras de futebol, muita tensão, diálogos chulos e guitarras pesadas trespassando as cenas mais impactantes. Mas diferentemente dos “momentos Charles Bronson” do primeiro, esta seqüência soa como um daqueles filmes cult que, no início da proliferação das locadoras de filmes em VHS, ficariam melhor instalados na seção “policial”. Isso por conta de haver diálogos mais longos, elaborados, e o roteiro ser mais robusto, mesmo com algumas passagens apelativas, como no drama familiar do protagonista, em que sua ex-esposa se torna mulher de um sujeito que ganha a vida contestando a atuação repressiva de grupos como o BOPE.
Por causa desse personagem, aliás, Nascimento é retirado das ruas e, através de uma jogada política, é promovido. Assim, passa a atuar na Secretaria de Segurança do Estado, na área de Inteligência. Função muitas vezes burocrática, suas investigações o conduzem às ramificações do mundo do crime, materializado nas instâncias mais carentes da sociedade e sustentado por um sistema corrupto, que acoberta seus mentores. De policiais a políticos influentes, ninguém é inocente. A grandiosa cena em que a câmera sobrevoa o Congresso Nacional em Brasília sob um discurso anticorrupção de Nascimento, é um clichê que todo cineasta que se preze gostaria de cometer. É a cena da vez. E em um ano eleitoral, isso não é pouco. Muitas verdades são ditas, e a ideia de justiça é renovada. Ninguém estar acima da lei, este seria um ideal a ser perseguido e adotado. Parece ser esta a mensagem. Quem não gostaria de surrar um parlamentar? Eu sei, é um pensamento perigoso, mas o Capitão Nascimento realiza nosso desejo. Comento com um amigo, na poltrona ao lado – que curiosamente é delegado, em outra cidade – “se essa moda pega”. Ele concorda: “ah, se essa moda pega...”.
O Nascimento, de Wagner Moura, lembra muito o inspetor que sofria de úlcera, interpretado por José Mayer, em Agosto, de Rubem Fonseca. São personagens fortes, tensos, que parecem reconhecer nos impulsos, ainda que irracionais, a resposta mais adequada a nossa sede de justiça. E muitas vezes, durante o filme, incorporamos esta atitude. Neste sentido, digno de nota é o parceiro de Nascimento, André, estereótipo do brasileiro herói e anônimo, que tem de vencer um leão por dia. Sua ética, na prática, produz boas reviravoltas na trama, garantindo momentos eletrizantes, que são os que irão prevalecer ao término do filme.
O resultado final é satisfatório, tanto como ficção quanto como instrumento reflexivo da realidade, capaz de suscitar debates sobre pontos tão complexos quanto múltiplos acerca do crime organizado, da justiça e política no país.
Volto pra casa pensando na divulgação da mídia, na lotação das salas dos cinemas país afora, e na significativa parcela de espectadores que não irá gostar do filme. Talvez ele traga falatório demais, provocações demais. Pouco afeito aos questionamentos de dualismos fáceis, seria o público capaz de compreender a obra? Sim, se considerarmos as leituras críticas dos mais amadurecidos, e não, se considerarmos que as feições de produto pop que a mídia vem concedendo ao filme são enganosas, equivocadas. Seja como for, Capitão Nascimento, definitivamente, não é Chico Xavier. Isso já é um bom começo.