segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Filmes de ontem e hoje:

ANTES DA CHUVA




“O CÍRCULO NÃO É REDONDO...”

As rupturas fronteiriças ocorridas em âmbito global geraram um novo filão cinematográfico proveniente da intensa reformulação geográfica das últimas décadas, geralmente com toques neo-realistas (remetendo à Roma Cidade Aberta, de Rosselini)  que trazem às telas os dramas de países renascidos das cinzas (vide a adaptação do livro Terra e Cinzas do afegão Atiq Rahimi), mostrando sob novas perspectivas o impacto da guerra no cotidiano, abordando inclusive a animosidade entre pessoas que em certo período estabeleceram graus de relacionamento (vide o bósnio-esloveno Terra de Ninguém, este porém fazendo uso de um inusitado componente : o humor).
          Menina dos olhos do gênero, apesar de ter quase 20 anos desde sua realização, o macedônio Antes da Chuva continua atual. O filme é dividido em três partes curtas, não lineares, que se complementam e quecerto modo contam histórias de amores interrompidos pela violência. Palavras , a primeiramais ingênuahistória de Zamira, jovem albanesa que busca abrigo em um monastério e recebe a ajuda do jovem padre Kirill. Zamira, que virou a imagem do filmecom sua inesperada camiseta Adidas de e equilibrada, narra a parece querer nos  alertar para o fato de que a intervenção internacional em um país à beira do colapso é relevante após considerado seu potencial financeiro.
        Rostos, a segunda história ( quase desnecessária de tão fraca ), traz, entre algumas fotografias de atrocidades de guerra,  o atormentado fotógrafo Aleksandar e sua insossa relação com a amante, às vésperasretornar a sua terra natal. Fotografias, em seguida, transporta não o marasmo da segunda história mastambém o protagonista até a Macedônia, onde passa a ser testemunha ocular dos dramas vividos por seupovo. Essa água morna do “sujeito que faz fama e retorna ao lar” termina quando o insípido fotógrafo, na metade da terceira história, revê, num vilarejo rival, uma amiga de infância, num lúgubre e tenso reencontro, de emoções reprimidas pelas circunstâncias.
        Intolerância, conflitos étnicos religiosos, guerra civil, este filme de 1994 nos ajuda a compreender a dramática situação da Iugoslávia, cuja implosão, causada pelo fim do comunismo, provocou uma ebulição da temperatura política nos Bálcãs, culminando na genocida campanha dos Sérvios para conquistar territórios, etnia esta historicamente conhecida pela mania de perseguição desde os desastrosos resultados na Primeira Guerra Mundial ( foi lá onde tudo começou, com aquele tiro no arquiduque Ferdinando).
          A Macedônia, que era uma das repúblicas que compunha a Federação Iugoslava (as outras eram: Sérvia, Croácia, Eslovênia, Montenegro, Bósnia-Herzegóvina) passou por uma guerra civil, anunciada no filme (e que infelizmente não ia terminar, tampouco expressar todo o massacre ocorrido nos anos seguintes) com o embate entre macedônios e albaneses, que, de certa maneira, era também entre cristãos ortodoxos e muçulmanos , reflexo de heranças históricas dos sucessivos povos conquistadores que ali estiveram ao longo dos séculos, resultando em um caldeirão multicultural étnico-religioso que estourou com esfacelamento do comunismo na Europa Oriental.
        Um filme importante que, mesmo irregular, foi mais criticado pela sua estética de videoclipe, sendo por isto considerado “da moda”. De qualquer forma há os atores e principalmente o peso histórico do tema, além do desfecho arrebatador, poético, singelo, ingênuo e ao mesmo tempo moderno, carregado de simbolismo : na chegada da chuva (aquela do título), a água como sinônimo de purificação, como a nos mostrar ( e nos lembrar ) que enquanto criamos e destruímos – e isto produzir História – , inevitavelmente sob este mesmo céu busca-se a liberdade, a redenção e a paz. Esta última, uma relíquia que, configurando-se como exceção ao se apoiar na importância de algo tão corriqueiro (a chuva) sobre o qual o homem não exerce domínio algum, mais que sugerir, parece comprovar o fracasso de todas as verborrágicas, pretensiosas e tendenciosas ideologias humanistas frente à magnitude absoluta de um legislador maior presente nas leis da natureza. E é esta frágil condição humana, traduzida em sua finitude linear bastante explicitada nas três histórias, que faz com que o círculo, tão mencionado ao longo do filme, seja abstraído de sua forma original, interrompendo-se. Ou fazendo jus às palavras do mentor de Kiril, torna-se ele também, o círculo, finito, passageiro.      




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