Plangentes, violões. Não os de Cruz e Souza. Mas os de Elliot Smith, Jose González, Smog, estescavaleirossolitários. Ou os dedilhados dos filmes de Inarritu. Algunsaspectos da arteemque o Verbo cessa, emque o lógos se finda. Sempalavras.
Cena 1: Rocco Sifried pilotaumhelicóptero. E uma mulherlhe sorri. Estavam voando baixo. Europeus num diafrio, ricos. Eles possuem corposque os possuem. Carne, sangue, suor, maquiagem. Atorespornôs, jovens e tristes. Tãosós. Máscarascomformato de riso. Flertando. Me sinto sufocado, comoquecom a cabeçaenfiada num sacoplástico.
Cena 1b- Mickey Rourke, em o Ano do Dragão. Cabelogrisalho. Comoumdente de alho. Disse a um china: tenho cicatrizesaté na alma.
Cena 2: É férias de algummodo. Por uma questão de idiossincrasia, poderíamos chorartodos os dias. Intensamente. Diríamos certamentequenão há explicaçãoparaisso. Simplesmente é assimque acontece, como naquelas tardes de arco-íris. O chão de repente voa. E a gente vai correndo logoatrás, perseguindo. Entãopenso: é férias, de algummodo. Como uma mentiraengraçada. Existir é uma coisaque dói à toa.
Cena 3: Chloe, a personagem de Alain de Bottom emEnsaios de Amor, tinhafixaçãopordesertos. Umdiaelajogatudopara o alto e vai paraumlocal isolado. Fica porlá, no meio do nada, por quinze dias. Depois, não vendo sentidoemtudoaquilo, arruma umemprego numa lanchonete.
Cena 4: Emily Hirsch, emNa NaturezaSelvagem, jogatudopara o alto. Uma faculdade, sei lá, ummonte de coisas. Abandona a família e, talqual Kerouac On The Road, põe o pé na estrada. Pensoqueele é egoísta, jáque possui umpai e uma mãeque se preocupam comele, enquantoele acampa na mata e lêDoutor Jivago. Trata-se de uma pessoalivreagora, emborasequer tenha envelhecido.
Cena 5: James Spader e Andie Macdowell, e seusexo e mentiras e videotapes. Sentados em uns degraus de alguma casaconfortável. Elausaumvestidolongo, como uma senhora de trinta anos, uma adolescentelivresobregramas. Diante de uma árvorerobusta. Ele tem uma cristaalourada, como uma onda num diamaisbrilhante, areia de praia, coroa. Elalhe diz: vocênão pode se abrircomoumpresente...
Cena 6: eulia os artigos do Paulo Francis. Os dias eram longos. Cheiro de tinta, quadrosamadorespintados no quarto. Jornais no chãoparafolhear. A capa do livro do Camus. Umrostosem uma espinhasequer.
TrêsCorações, Julho de 2011, relendo as coisas de Agosto de 2010. Rabiscoscomdatas e décadas. Escrevo. E penso no quanto a vida pode serengraçada e ao mesmotempotriste. Agridoce. Talvez. Muitoagridoce. Há umtempoquenão chove. Sinto, à distância, a chegada do verão.
Uma história divertida mostracomo os sofistas passaram a servistos. Protágoras, convencido de que os seusensinamentos eram infalíveis, disse a umalunopobreque o pagasse com o que recebesse peloseuprimeirocaso no tribunal. Uma veztreinado, o jovemnão começou a praticar o seuofício. Protágoras processou-o paracobrar os seushonorários, argumentando perante a corteque o estudante deveria pagarpeloseucontrato, se vencesse, e pelo veredicto, se perdesse.
Ou seja, o contrato determinava que, ao vencerseuprimeirocaso (detalhe: o casoeracontra Protágoras) ele deveria pagar a Protágoras, poisisto é o que diz o contrato. Mas, se perdesse, pagaria pelo veredicto, ou seja, Protágoras o venceria e, portanto, teria de serpago.
O acusado captou isso e fez melhor: declarou que o pagamento estava perdido pelo veredicto, se ganhasse, e pelocontrato, se perdesse.
Ou seja, se o veredicto lhe fosse favorável, elenão pagaria, pois teria ganho a causa. Casoele perdesse (tivesse um veredicto desfavorável) não pagariaporque estaria contrariando o contrato (afinal, o contrato o cobraria somente se ele tivesse ganho o caso).
Concluindo: teríamos aqui uma espécie de paradoxo, emque uma sentença anula a outra. Esse seria umbomexemplo de como, pormeio de uma linguagem sofisticada, o sofista poderiaconfundir uma pessoaparaobtervantagemsobreela. No exemploque mencionamos, o estudante sofista superou seumestre recorrendo à mesmatática.
Citado em "História do Pensamento Ocidental" - Bertrand Russell, pág.64.
Na citação de Anthony Kenny:
“Os inimigos de Protágoras gostavam de contar a históriasobre a ocasiãoemqueele processara seudiscípulo Evalto pelonãopagamento de honorários. Evalto se recusara a pagar alegando queatéentãoelenão ganhara uma simplescausa: “Bem, disse Protágoras, se euvencer esta causa, você deverá pagaremrazão de o veredicto ter sido favorável a mim, mas, se for você o vencedor, aindaassimvocê deverá pagar, porqueentãovocê terá vencido uma causa”. (Diógenes Laércio, 9.56 – Lives of Philosophers).
As rupturas fronteiriças ocorridas em âmbito global geraram um novo filão cinematográfico proveniente da intensa reformulação geográfica das últimas décadas, geralmente com toques neo-realistas (remetendo à Roma Cidade Aberta, de Rosselini) que trazem às telas os dramas de países renascidos das cinzas (vide a adaptação do livro Terra e Cinzas do afegão Atiq Rahimi), mostrando sob novas perspectivas o impacto da guerra no cotidiano, abordando inclusive a animosidade entre pessoas que em certo período estabeleceram graus de relacionamento (vide o bósnio-esloveno Terra de Ninguém, este porém fazendo uso de um inusitado componente : o humor).
Menina dos olhos do gênero, apesar de játerquase 20anosdesdesuarealização, o macedônioAntes da Chuva continua atual. O filme é dividido emtrêspartes curtas, nãolineares, que se complementam e quecertomodo contam histórias de amores interrompidos pelaviolência. Palavras , a primeira, maisingênuahistória de Zamira, jovem albanesa quebuscaabrigoemummonastério e recebe a ajuda do jovempadre Kirill. Zamira, que virou a imagem do filme, comsuainesperadacamisetaAdidas de e equilibrada, narra a parece querernosalertarpara o fato de que a intervençãointernacionalemumpaís à beira do colapsosó é relevanteapós considerado seupotencialfinanceiro.
Rostos, a segundahistória ( quase desnecessária de tãofraca ), traz, entre algumas fotografias de atrocidades de guerra, o atormentado fotógrafo Aleksandar e suainsossarelaçãocom a amante, às vésperasretornar a suaterranatal. Fotografias, emseguida, transporta nãosó o marasmo da segundahistóriamastambém o protagonistaaté a Macedônia, ondepassa a sertestemunhaocular dos dramasvividosporseupovo. Essa águamorna do “sujeitoque faz fama e retorna ao lar” termina quando o insípidofotógrafo, na metade da terceirahistória, revê, num vilarejorival, uma amiga de infância, num lúgubre e tensoreencontro, de emoções reprimidas pelas circunstâncias.
Intolerância, conflitos étnicos religiosos, guerra civil, este filme de 1994 nos ajuda a compreender a dramática situação da Iugoslávia, cuja implosão, causada pelo fim do comunismo, provocou uma ebulição da temperatura política nos Bálcãs, culminando na genocida campanha dos Sérvios para conquistar territórios, etnia esta historicamente conhecida pela mania de perseguição desde os desastrosos resultados na Primeira Guerra Mundial ( foi lá onde tudo começou, com aquele tiro no arquiduque Ferdinando).
A Macedônia, que era uma das repúblicas que compunha a Federação Iugoslava (as outras eram: Sérvia, Croácia, Eslovênia, Montenegro, Bósnia-Herzegóvina) passou por uma guerra civil, anunciada no filme (e que infelizmente não ia terminar, tampouco expressar todo o massacre ocorrido nos anos seguintes) com o embate entre macedônios e albaneses, que, de certa maneira, era também entre cristãos ortodoxos e muçulmanos , reflexo de heranças históricas dos sucessivos povos conquistadores que ali estiveram ao longo dos séculos, resultando em um caldeirão multicultural étnico-religioso que estourou com esfacelamento do comunismo na Europa Oriental. Um filme importante que, mesmo irregular, foi mais criticado pela sua estética de videoclipe, sendo por isto considerado “da moda”. De qualquer forma há os atores e principalmente o peso histórico do tema, além do desfecho arrebatador, poético, singelo, ingênuo e ao mesmo tempo moderno, carregado de simbolismo : na chegada da chuva (aquela do título), a água como sinônimo de purificação, como a nos mostrar ( e nos lembrar ) que enquanto criamos e destruímos – e isto produzir História – , inevitavelmente sob este mesmo céu busca-se a liberdade, a redenção e a paz. Esta última, uma relíquia que, configurando-se como exceção ao se apoiar na importância de algo tão corriqueiro (a chuva) sobre o qual o homem não exerce domínio algum, mais que sugerir, parece comprovar o fracasso de todas as verborrágicas, pretensiosas e tendenciosas ideologias humanistas frente à magnitude absoluta de um legislador maior presente nas leis da natureza. E é esta frágil condição humana, traduzida em sua finitude linear bastante explicitada nas três histórias, que faz com que o círculo, tão mencionado ao longo do filme, seja abstraído de sua forma original, interrompendo-se. Ou fazendo jus às palavras do mentor de Kiril, torna-se ele também, o círculo, finito, passageiro.