quarta-feira, 20 de julho de 2011

Dança de redemoinhos à meia luz




A rua era aquela mesma, de todos os dias. Pouco interessante. Inclinada. Descuidada. No bairro.

Ao avistar o dono, de longe o cãozinho late. Faz, sobre a laje da casa, uma pose de Rei Leão. Uma festa. E um companheiro.

Você chorou hoje, parecia me dizer. Au, au. Olhos inchados. Au.

Um violeiro, quando apertei o passo, ficou para trás. Trazia umas notas tristes. Desoladas. No instrumento.

            Era uma noite, na cidade.

Ao ouvir o latido, todos os cães da rua acompanharam. Pareciam chorar junto.


            A menina, na porta da escola, despediu-se do namorado. Franzina. Os braços pendiam finos sob o corpo enlaçado. Claros, lisos, como os próprios cabelos, saíam das mangas da camisa preta de rock.

            Era uma tarde, na cidade.


Quem você teria amado no último inverno... porque eu não amei ninguém...
(passei esse tempo todo pensando em você...)


Você quer correr, ou ligar a TV – ela é a responsável pelo barulho na casa... – ouvir estações de rádio de madrugada. Se sua vida se parece com uma longa viagem de trem ou de táxi, sem ninguém para conversar. Levante a mão, peça pra descer... chama isto de pessimismo... te amei loucamente o tanto que durou e pelo tanto que durou... e amores assim nunca são simplesmente rompidos com um abraço ou aperto de mão... eles se consomem... você tem ideia da brutalidade que cometeu com teu amor?

Não me pergunte porque chorei, todas aquelas vezes. A cama, um confessionário em teus ombros... ou porque eu morria toda vez ...

Tudo isto é uma questão de idiossincrasia. Idiossincrasia.

Que é quando se é assim sem que se saiba o motivo. Quando se é sem saber, quando se sofre sem o saber, quando não se há motivo algum para nada acontecer... e tudo acontece.

Porque esta música é dedicada a todas as canções que não ouvimos. Ou todas as vozes que se recusaram a estar entre nós, declarando o amor...
Se dancei, não mais sei. Você ouve o saxofone ao longe. E o dia está começando. De novo. Pra quem...?


Algo me diz, diz assim. Talvez você pensando:
A novela das sete irá te socorrer. Você rirá com as trapaças, com as tragédias alheias, contadas de forma inacreditável, inaceitável. Volume alto. Olhará para o alto da noite, e perguntará às estrelas aquelas mesmas coisas. Será que o Pelé vai pro céu?


A solidão da janela à meia luz, em cima, naquele apartamento. Cortinas abafando a música. E o amor.
A solidão da janela à meia luz, é minha.

A cidade não se parece com nada. Absolutamente nada. Nenhum lugar de lugar algum. É uma estrada à toa, como essa poeira fina no redemoinho. Como eu ou a sombra humilde do poste na esquina, que se estende timidamente pela calçada. Um cone assustado pedindo licença o tempo todo. All the time. Me autorize a ser. Alguma coisa, qualquer coisa que seja.



Algo em mim, me diz assim. Mas poderia mesmo ser você:
A novela das sete irá te socorrer hoje. Volume alto. Únicas vozes ouvidas no dia. E você rirá com aquela conversinha. Riso de esquilo. Ri-ri-ri-ri-ri. Contemplará, como muitas vezes antes, no verão, o alto das constelações. E perguntará se a Bahia caberia na Lua. Como faríamos para mandá-la para ? Você olha para o lado e finge que comenta com alguém. Finge, uma esfinge.
Ou o que restou de sua voz em minha consciência.


Quer realmente entrar no ônibus circular, e circular. Redemoinho fugaz. Assim se conhece a cidade. De ponta a ponta, vielas, cenário de vídeo game irreal, auto relevo, placas de chapisco, ferindo os olhos e a mão, tão aquecido, pulsando como lodo e lava. Planta carnívora, as palmas de nossas mãos. África, Índia, Cabul. Ou somente eu. Acabou. Tudo aquilo que vi nas fotos ou na TV. Existe a dor. Existe a dor. Sim. Sim. Música na rádio, de madrugada. Somos essas coisas perdidas. Foragidos ... órfãos ... da sintonia.

A solidão daquela janela inexiste. Nem janela ela é. A tumba. Muda, fim sem ponto final. Acabou. Riso que não se completou. Ou poderia ser você dizendo coisas sobre o esquecimento em fuga. Círculos, redemoinho fugaz. Somente eu, os saxofones e as persianas num entardecer de céu areia.


Mas eu era moço, tinha o remédio em mim mesmo.
(Memórias Póstumas de Brás Cubas-Machado de Assis)



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