sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

Como a linguagem é possível?

A Barba de Platão:

sobre o que há e sobre o que não



Read, S. Thinking about logic, pp. 121-131

  Como a linguagem é possível? Dado um estoque de vocabulário básico na linguagem, que é finito e passível de ser aprendido, como é possível fazer indefinidamente muitas novas enunciações, novas proposições exprimindo pensamentos que anteriormente não haviam sido proferidas? Pois isto é possível. Embora o vocabulário de uma linguagem seja muito extenso, como uma olhada no dicionário pode revelar, ele é pequeno se comparado com a imensidade de sentenças que formam os livros nas livrarias do mundo. Poucas destas sentenças são idênticas. Poucas das sentenças que lemos são daquelas que vimos anteriormente. Como é possível para um leitor entender estas sentenças? Como é possível para os autores  concebe-las e compô-las?

Árvore e Som

Quando uma árvore cai na floresta sem que ninguém a observe, ela emite som?”.

Law, Stephen. In: Guia Ilustrado de Filosofia, pág.84-Metafísica.


Nós que aqui estamos

Nós Que Aqui Estamos, Por Vós Esperamos         (1999)
           
            O século XX em imagens. Vagando entre o oníricoque remete à influência de Freud – e o realismo destrutivo de um século marcado pela tecnologia e guerras – evocando Hobsbawm – o diretor Marcelo Masagão utiliza-se de um variado arquivo de imagens (cinema, fotos, trechos de documentários, artistas e personalidades) que, a seu modo, muito mais do que simplesmente contar, transporta-nos para os fatos importantes do nosso tempo na medida em que gera no espectador uma aproximação com os personagens anônimospessoas como nósque participaram desta história. E isto contribui para realçar seu valor humanista  num período em que o significado da vida, de tão banalizado, passa a não ter valor algum.
Está , a meu ver, o mérito do filme que, apoiado em uma bela e eficaz trilha sonoracomo que composta por encomenda – de Wim Mertens e André Abujamra, se em alguns momentos escorrega por causa de excessiva repetição, destaca-se pela sua criatividade, demonstrado na interessante apresentação dos temas : arte e guerra, sonho e realidade, vida e morte, tragédias, revoluções, golpes, ditaduras, nacionalismos e movimentos sociais; ingredientes que retratam o século XX a partir da 1a Guerra Mundial, e o desenvolvimento tecnológico alcançado no pós-guerra.
Considerado um filme ensaístico (ou filme memória), nos fornece um bom panorama – parafraseando Eric Hobsbawm, que ao lado de Freud, é um dos mentores espirituais da película – do que foi o “breve século XX” e de como o decorrer desta história se reflete nos dias atuais.
Destaque: o Capítulo 6, dos 12 aos 21 minutos (Temas: Muro de Berlim, Garimpo, Revolução Cultural Chinesa, Crash de 1929, etc).

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

The city and the heart


A cidade não está bem,

Meu coração não está bem...

o verdadeiro lugar onde moramos: dentro de nós mesmos.

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

A Lógica

A Lógica



            Para aqueles dentre nós que se introduzem na Lógica, falemos previamente um pouco a respeito de sua característica própria, começando pelo gênero a que pertence, isto é, a Filosofia. Ora, Boécio, não chama de Filosofia qualquer ciência, mas apenas a que se detém nas coisas mais elevadas; de fato, não chamamos de filósofos a quaisquer pessoas dotadas de conhecimento, mas apenas aquelas cuja inteligência penetra as sutilezas.
Boécio distingue três espécies de Filosofia, a saber: a especulativa, que se ocupa da natureza das coisas a ser investigada; a moral, que se ocupa da dignidade da vida a ser considerada; a racional, denominada Lógica pelos gregos, que se ocupa da ordem dos argumentos a serem compostos. No entanto, alguns, ao separarem esta última da Filosofia, diziam que ela não é parte da Filosofia, mas antes instrumento segundo o testemunho de Boécio. Isso porque, de um certo modo, as demais partes dela se ocupam, na medida em que se servem de seus argumentos, para provar suas próprias questões.
Assim, se se coloca uma questão pertinente à investigação da natureza ou da moral, os argumentos são tirados da Lógica. Contra esses, o próprio Boécio diz que nada impede que a Lógica seja tanto instrumento como parte de algo, assim como a mão o é em relação ao corpo humano. Além disso, a própria Lógica se apresenta muitas vezes como instrumento de si própria, visto que demonstra também uma questão a si pertinente com argumentos seus como, por exemplo, a seguinte: o homem é uma espécie de animal. Contudo, nem por isso é menos Lógica, por ser instrumento da Lógica. Assim, também não é menos Filosofia por ser instrumento da Filosofia. O próprio Boécio a distingue das duas outras espécies de Filosofia pelo seu fim próprio que consiste em compor argumentações. Pois, embora o estudioso da natureza componha argumentos, não é o estudo da natureza que o institui para tal, mas apenas a Lógica.

(ABELARDO, Pedro. Lógica para Principiantes. 2ª.ed. São Paulo: Unesp, 2005, p.39-40, in Marilena Chauí, iniciação à Filosofia, São Paulo: Ática, 2011).

sábado, 12 de novembro de 2011

Marvin Gaye


What`S Going On  [TRECHOS]
Mother, mother
There's too many of you crying
Brother, brother, brother
There's far too many of you dying
You know we've got to find a way
To bring some lovin' here today - Ya

Father, father
We don't need to escalate
You see, war is not the answer
For only love can conquer hate
You know we've got to find a way
To bring some lovin' here today

Picket lines and picket signs
Don't punish me with brutality
Talk to me, so you can see
Oh, what's going on
What's going on
Ya, what's going on
Ah, what's going on

In the mean time
Right on, baby
Right on
Right on



O que está acontecendo
Mãe, mãe
Há muitas de vocês chorando
Irmão, irmão, irmão
Há muitos de vocês morrendo
Você sabe que nós temos de encontrar um meio
Para trazer um pouco de amor hoje

Pai, pai
Nós não precisamos agravar
Veja, guerra não é a resposta
Pois apenas o amor pode conquistar o ódio
Você sabe que nós temos de encontrar um meio
Para trazer um pouco de amor aqui hoje

Piquetes e cartazes
Não me puna com brutalidade
Fale comigo, então você poderá ver
Oh, o que está acontecendo
O que está acontecendo
Sim, o que está acontecendo
Ah, o que está acontecendo



Wittgenstein

O que confere vida à linguagem?



Wittgenstein, Das Blaue Buch(O Livro Azul), pp.19-21


Nosso problema é análogo ao seguinte:
Quando alguém dá a ordem: “Busque para mim uma flor vermelha deste campo”, de onde ele deve saber que tipo de flor ele deve trazer, visto que apenas uma palavra foi dada a ele?

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Schopenhauer


A ignorância degrada os homens somente quando se encontra associada à riqueza. O pobre é sujeitado por sua pobreza e necessidade; no seu caso, os trabalhos substituem o saber e ocupam o pensamento. Em contrapartida, os ricos que são ignorantes vivem apenas em função de seus prazeres e se assemelham ao gado, como se pode verificar diariamente. Além disso, ainda devem ser repreendidos por não usarem sua riqueza e ócio para aquilo que lhes conferiria o maior valor.

Schopenhauer, Arthur. A Arte de Escrever, trad.Pedro Sussekind, Ed.: L&PM, pág. 127.

Salmo 39.5




Deste aos meus dias o comprimento de alguns palmos;
à tua presença, o prazo da minha vida é nada.
Na verdade, todo homem, por mais firme que esteja, é pura vaidade.

M83 - Hurry Up, We're Dreaming

Chantilly demais para  bolo de menos.

Outubro de 2011 chegou e havia a grande expectativa do novo cd do M83. Desta vez, um disco duplo, com 11 músicas de cada lado. Havia este clima de Smashing Pumpkins em Mellon Collie and the infinite sadness (1995)  no ar, mas que se esvaiu logo na primeira audição. Afinal, por que compor um grande número de músicas que denotam a falta de inspiração se o M83 poderia ter feito um grande disco com, no máximo, dez composições?

Vamos analisar as músicas individualmente para que nosso ponto de vista seja esclarecido:

Intro: possui arranjos belíssimos dos bons M83 de sempre. O vocal gritado dá o tom de que a mão vai pesar, e começa a incomodar a pergunta: será que vai ser assim no cd inteiro? Intro também tem outro agravante: é muito extensa para o pouco que tem a oferecer. Se ela tivesse dois minutos a menos, ficaria melhor. A parte que entra um coro é terrível-terrível-terrível-terrível-terrível...enfim, sabe este efeito cansativo que provocamos repetindo as palavras. Pois é, é disso que se trata.

Midnigh City: este é o M83 que queríamos. Uma boa música, eficiente. Sem arroubos. Li artigos que criticavam sua mornidão e o saxofone sintetizado do final. Se ela parecer morna para alguns, morno deveria se todo o cd e teríamos uma obra coerente.

Reunion: o pior momento. Principalmente dos vocais, gritados a esmo, sem qualquer tipo de charme. Se a ideia era revisitar os anos 80, deu saudade do empolgante papá-rá-ô de Alive and Kicking, do Simple  Minds. Aquilo sim era um refrão de nível.

Where the Boats Go: vinheta sombria, mas belíssima. Dá o toque do que virá a seguir.

Wait: essa é uma canção ímpar, até pelo fato de conter um violão. Chega a ser dolorosa de tão belaMas não é perfeita porque poderia ser um minuto mais curta. A mão pesada causa stress no ouvinte. Talvez fosse o caso de Anthony Gonzalez , o cérebro da banda, construir um cd com todas as vinhetas de Hurry Up, deixando somente esta música, com um minuto a menos. Teríamos uma obra de arte!

Raconte Moi Une Histoire: café com leite, com um momento de brilhantismo shoegazer da metade em diante.

Train to Pluton: vinheta que poderia ser prolongada, sem nenhum prejuízo de causa.

Claudia Lewis: tem a batidona anos 80, que lembra coisas meio funkeiras, como se a Shellshock do New Order, do Substance, encontrasse a Lisa Lisa de “Rhitmyn and Gonna Get You”. O vocal é chatíssimo, esganiçado, afeminado. Eject.

This Bright Flash: guitarras sonoras, baterias secas, uma ou duas linhas de baixo, e um vocal morto, chapado, balbuciando meia dúzia de palavras. Curtíssima, dá seu recado em dois minutos. Esse critério deveria ser adotado no restante do Cd.

When Will You Come Home: instrumental belíssimo. As vinhetas fazem a abertura para as músicas, ou será o contrário? O título remete, pelo nome somente, ao grande hino dos Galaxy 500, que também gostavam de esticar uma melodia até que ela se tornasse ruim. O M83, quando pesa a mão, segue a receita.

Soon, My Friend: resposta à pergunta anterior, é perfeita no primeiro minuto, até a entrada do violão. Depois, de novo a enrolação com ares de apoteose instrumental. Fiasco.

My Tears Are Becoming: instrumental quase perfeito, exceto pela escorregada pinkfloydiana. Mas tem um arranjo shoegazer cortando o final. Infelizmente o vocal é ridículo, que destoa de tudo. Como uma gralha num campo florido.

New Map: recupera o feeling da banda. A segunda música do segundo cd é tão eficiente quanto sua correspondente do primeiro. Mas é muito melhor. E tem um refrão suave, que era tudo o que estava faltando em meio à gritaria assimétrica. O minuto final é uma pérola de espontaneidade e sutileza. Vale cada segundo.

Ok Pal equivale à Reunion. Desperdício de barulho e de eletrônica. Muita frescura para uma música. Terrível.

Another Wave from You: climático, como no que havia de melhor no cd instrumental Digital Shades.

Splendor: piano espaçado, vozes mais calmas – podia ser sempre assim. Mas entra um coro horroroso logo no primeiro minuto, jogando às traças tudo o que poderia tornar a música uma grande composição e não uma composição grande. Mas o coro cessa, o andamento suave prossegue. Se pudéssemos tirar essas sobras, como aquele enjoativo chantilly, que enfeita o bolo. Uma música de cinco minutos, que não precisava mais do que três. Não, não foi nada esplendoroso.

Year One, One UFO: momento musical bem humorado. A pegada rockeira no final não a torna mais empolgante. É fria como uma colher, um garfo, e uma faca, o gelo batendo no cristal, a maquininha do dentista na obturação.

Fountains: Onírica, como num passeio em um bosque que existe no mundo dos sonhos. Vale novamente a pergunta: a vinheta anuncia a música, ou a música anuncia a vinheta?

Steve McQueen: Canção animada. As onomatopéias são mais vibrantes. O doobi-doobi-doobie-doob-doobie mesclado ao ô-ê-ô-ê-ô-ô ressuscita defuntos. A base guitarrística é marcante, a pegada sonora shoegazer é o que há de melhor nos M83. A paradinha final é maravilhosa: doobi-doobie-doobie-doobie-doobie, com direito a estalar de dedos.

Echoes Of Mine: é o conhecido teaser, belíssimo. Dessa vez, com uma narrativa feminina. É apoteótica, sem ser pretensiosa. Funciona e muito.

Klaus I Love You: uma profusão de sons, vocais abafados por estruturas de prédios bladerunnernescos e  Bips e blens kraftwerkianos. Em menos de dois minutos somos levados a uma atmosfera de estranhamento. Afinal, quem é este tal de Klaus?

Outro: uma música de encerramento que não faria falta alguma.


            Pelo que dissemos, “Hurry Up...” é um disco de mediano a fraco, pelo tanto que tem de se apoiar em vinhetas. Tem seu encanto, e um ou outro lampejo. Mas isto é típico de sobras lados B de bandas caça-níquel. Sim, o M83 é conhecido por fazer músicas quilométricas, com até mais de dez minutos. Mas este último foi, sem dúvida alguma, um desperdício de munição. Talvez este tributo egocêntrico resulte em maturidade, o que não deixa de ser um problema interno dos integrantes, mas que ecoa no ouvido dos admiradores que querem ouvir boa música.
De qualquer maneira o M83 sempre será uma banda (um duo, um trio, uma banda de um homem ?) pelo qual temos de ter muito respeito. Oscilando entre o rock experimental eletrônico e o pop, entre o sagrado e o poético, o etéreo e o denso, o instrumental de ascese e a tempestade shoegazer, o romântico e o irônico, canções sempre e sempre inteligentes, as maravilhosas composições de álbuns anteriores, como as ultraimponentes Running Into Flowers, Beauties Can Die, I Guess I’m Floating, Can’t Stop, Let Men Burn Stars, Waves, Coloring The Void, By the Kiss, Strong and Wasted, We Own The Sky, The Dark Moves of Love, Don’t Save Us from the Flames, fazem muito bem aos ouvidos da civilização contemporânea, carente que é de beleza bruta. Talvez estas mesmas músicas é que nos elevem a um alto grau de exigência, e por isso ficamos esperando sempre o melhor do trabalho deles. Ouvindo seus cds anteriores passamos a ter uma percepção melhor do que a banda significa, e compreendemos que talvez seja possível vislumbrar um conjunto da obra, e que tudo aquilo foi demais. Se eles irão compor o panteão de bandas que se contentam em fazer obras medianas, ao menos agora percebemos mais nitidamente que aquilo que fizeram foi mais do que suficiente para que estes poéticos músicos ocupem um lugar profundo e definitivo em nossos inconstantes corações

segunda-feira, 31 de outubro de 2011

A imaginação


A Imaginação - Jean-Paul Sartre


            Olho esta folha em branco, colocada sobre minha mesa: percebo sua forma, cuja cor, sua posição. Essas diferentes qualidades têm características comuns: em primeiro lugar, elas se oferecem ao meu olhar como existências que posso apenas constatar e cujo ser não depende de modo algum do meu capricho. Elas são para mim, não são eu. Mas elas tampouco são outrem, isto é, não dependem de nenhuma espontaneidade, nem da minha, nem da de uma outra consciência. Estão presentes e inertes ao mesmo tempo. Essa inércia do conteúdo sensível, tão freqüentemente descrita, é a existência em si. De nada serve discutir se essa folha se reduz a um conjunto de representações ou se ela é e deve ser algo mais. O certo é que o branco que constato não é minha espontaneidade que pode produzi-lo. Essa forma inerte, que está aquém de todas as espontaneidades conscientes, que deve ser observada, aprendida aos poucos, é o que chamamos uma coisa. De modo nenhum minha consciência poderia ser uma coisa, porque seu modo de ser em si é precisamente um ser para si. Existir, para ela, é ter consciência de sua existência. Ela aparece como uma pura espontaneidade diante do mundo das coisas que é pura inércia. Podemos, portanto, afirmar desde a origem dois tipos de existência: de fato, é na medida em que são inertes que as coisas escapam à dominação da consciência; é sua inércia que as salvaguarda e que conserva sua autonomia.
            Mas eis que agora viro a cabeça. Não vejo mais a folha de papel. Agora vejo o papel cinza da parede. A folha não está mais presente, não está mais . Sei, no entanto, que ela não se aniquilou: sua inércia a preserva disso. Ela deixou simplesmente de ser para mim. Ei-la de novo, porém. Não virei a cabeça, meu olhar continua voltado para o papel da parede; nada se mexeu na peça. Contudo, a folha me aparece de novo com sua forma, sua cor e sua posição; e sei muito bem, no momento em que ela me aparece, que é precisamente a folha que eu viapouco. É realmente ela em pessoa? Sim e não. Por certo afirmo claramente que é a mesma folha com as mesmas qualidades. Mas não ignoro que essa folha permaneceu no seu lugar: sei que não usufruo de sua presença; se eu quiser vê-la realmente, preciso virar-me para a escrivaninha, preciso trazer de volta meu olhar ao mata-borrão onde a folha está colocada. A folha que me aparece neste momento tem uma identidade de essência com a folha que eu viapouco. E, por essência, não entendo apenas a estrutura, mas também a individualidade mesma. que essa identidade de essência não é acompanhada de uma identidade de existência. É exatamente a mesma folha, a folha que está agora sobre minha escrivaninha, mas ela existe de outro modo. Não a vejo, ela não se impõe como um limite à minha espontaneidade; não é tampouco um dado inerte que existe em si. Em uma palavra, ela não existe de fato, ela existe em imagem.