ÚLTIMA PARADA 174
Qual seria o sentido de assistir a um filme em que todos já sabem do trágico desfecho? Quando a pergunta se referia ao hoje piegas Titanic (1997), o resultado foi o sucesso que até a múmia-que-canta Celine Dion desfrutou. Quanto a Carandiru (2002), apenas bons atores e o Santoro, o salvador da pátria, nada mais.
Em Última Parada 174, estão lá os elementos que caracterizaram alguns dos recentes e expressivos filmes nacionais. Drogas, sem o requinte, o glamour modista da geração grunge skatista americana de Kids (1995) de Gus Van Sant, que virou a cabeça de muita gente – jovens locais, inclusive. Drogas e a miséria nua e crua, a favela, o tráfico, prostituição, violência, palavras chulas. Nada de idealismos, de ídolos pop. Estes se foram com a idéia de família. O engajamento aqui é o de ser bom de pontaria aos dez anos de idade. Outro elemento importante: a presença sempre peculiar da Igreja, esta, cuja atividade terapêutica mais uma vez promove transformações e impede a implosão da sociedade em uma completa selvageria e carnificina. Em Carandiru, Central do Brasil (1998), Cidade de Deus (2002) e Linha de Passe (2008), é muito sutil, mas evidente esta função civilizatória, redentora.
O forte roteiro do filme nem precisou do cabide adotado por Tropa de Elite (2007), a saber , um narrador dando sentido às seqüências . Como nas obras de Fernando Meirelles, é a câmera sozinha quem conta a história , e isto basta . E aqui a história é a de dois jovens , em final de adolescência , entendendo-se por meio da linguagem quase gestual que lhes foi legada pela vida em uma cidade grande . O ódio no coração , a língua mordaz , a pele de hematomas .
O Alê da Candelária, conhecido como Alê Beijo , devia dinheiro ao Alê Monstro , o Alê do Comando Vermelho . Os vemos crescer em semelhanças , de idade , orfandade , histórias , e algo mais , muito mais sutil . Quando em certa cena , imortal cena , a mão é estendida ao outro , a cumplicidade entre os dois suplanta as divergências , e o sublime predomina sobre o lamaçal . Para ambos , entretanto , permanece a inaptidão diante das coisas mais simples , como a bondade e a verdade . Qual seria, por exemplo , a utilidade de uma mãe ? A lei dos estômagos vazios , do vício , da fuga , da constante fuga e a permanência da idéia do improviso , esta lei diria ser uma oportunidade , só não se sabe para que ou até quando , já que a novidade de hoje , o eterno e mesmo dia , é preencher as próximas horas de calor com dinheiro , pequenos furtos , talvez homicídios , praia e muito provavelmente mulheres . A urgência do saciar das volições . Esse é o único modo de viver a vida conhecido .
Alê Beijo quer ser amado , quer uma mulher que se importe. Soninha, a tal luz no fim do túnel , não é mais do que poderia ser . Uma companhia para horas vagas , promiscuidade no intervalo das promiscuidades . Como qualquer pessoa com avidez pela vida faria, Alê usufrui todas as possibilidades afetivas viáveis a alguém que tenha seu atribulado histórico . E todas elas , tão escassas, se despedaçam como um copo de vidro , objeto que atua como uma espécie de gatilho em sua história , e que é a metáfora de sua própria vida , a de uma criança perdida cuja base emocional passa a ser agora uma arma na mão .
Texto revisado em 06/01/2011.
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