Afinal, como podemos definir o que é uma pessoa?
John Locke define uma pessoa como "um ser inteligente
e pensante dotado de razão e reflexão
e que pode considerar-se a si mesmo como aquilo que é, a mesma coisa pensante, em diferentes momentos e lugares."
Poderemos pensar:
“como assim,
em diferentes
momentos e lugares?
Quem colocaria em
discussão uma coisa
dessas?”. Theodore Siders, em Riddles
of Existence, sugere
o caso de um
criminoso que,
em sua
defesa, alega o seguinte:
“Admito que o assassino é destro,
como eu,
que tem as mesmas impressões
digitais que
as minhas e que
não usa
barba nem
bigode, como
eu. Até
se parece exatamente comigo nas fotografias
da câmara de vigilância
apresentadas pela defesa.
Não, não
tenho um irmão
gêmeo. Na verdade,
admito lembrar-me de ter cometido o homicídio! Mas eu e o homicida
não somos a mesma
pessoa, uma vez
que sofri mudanças. A banda de rock preferida dessa pessoa
eram os Led Zeppelin; agora prefiro Todd
Rundgren. Essa pessoa tinha
apêndice, mas
eu não;
o meu foi removido na semana passada.
Essa pessoa tinha
vinte e cinco anos
de idade; eu
tenho trinta. Eu e esse
assassino de há cinco
anos não
somos a mesma pessoa.
Portanto, não
podem punir-me, pois ninguém
é culpado de um crime
cometido por outra
pessoa”(Londres:
Clarendon Press, 2005-Tradução de Vitor Guerreiro).
Como
nos informa Siders “os filósofos
refletem também na identidade
ao longo do tempo
de objetos [...] o que
faz com que
uma árvore, bicicleta
ou nação
sejam a mesma coisa
em momentos
distintos?”. Algumas respostas giram em
torno da existência
da alma, da continuidade temporal ou
continuidade psicológica (uma pessoa no passado é
numericamente idêntica à pessoa
no futuro, desde
que esta tenha a memória
da pessoa no passado,
as suas características
individuais, e por
aí em
diante, independente
se a pessoa no passado
e a pessoa no futuro
sejam ou não
espaço-temporalmente contínuas entre si). E há ainda
filósofos contemporâneos, como Derek Parfit, que
questionam por qual
motivo a identidade
é algo importante.
Em
Ética Prática,
Peter Singer, menciona uma outra definição do termo
"humano", proposta
por Joseph Fletcher, teólogo protestante e autor prolífico
de escritos sobre
temas éticos.
Abaixo, os "indicadores
de humanidade":
- Autoconsciência
- Autodomínio
- Sentido do futuro
- Sentido do passado
- Capacidade de se relacionar com outros
- Preocupação pelos outros
- Comunicação
- Curiosidade
Assim,
quando dizemos que
alguém é “muito
humano”, não
estamos nos referindo à espécie Homo
Sapiens, mas ao nível
de correspondência que
este alguém
possui em relação
aos critérios acima.
Prossegue Peter Singer “os dois sentidos de ser humano não são
coincidentes. O embrião, o feto subsequente, a criança
gravemente deficiente
mental e até mesmo o recém-nascido,
todos são
indiscutivelmente membros da espécie Homo sapiens, mas
nenhum deles é autoconsciente nem tem um
sentido do futuro
ou a capacidade
de se relacionar com os outros. Logo, a escolha
entre os dois
sentidos pode ter
implicações importantes
para a forma como respondemos a perguntas
como "será que
o feto é um
ser humano?"”.
Singer conclui “A definição de Locke se aproxima da de Fletcher no quesito “racionalidade
e autoconsciência”. É muito possível que
Fletcher concordasse que estas duas características são
centrais e que
as restantes decorrem mais ou menos delas”.
Ética Prática, de Peter Singer (Martins Fontes, 2009 – Cap.4, págs. 96-99).
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