terça-feira, 4 de dezembro de 2012

O que é uma pessoa?


Afinal, como podemos definir o que é uma pessoa?

John Locke define uma pessoa como "um ser inteligente e pensante dotado de razão e reflexão e que pode considerar-se a si mesmo como aquilo que é, a mesma coisa pensante, em diferentes momentos e lugares."
Poderemos pensar: “como assim, em diferentes momentos e lugares? Quem colocaria em discussão uma coisa dessas?”. Theodore Siders, em  Riddles of Existence, sugere o caso de um criminoso que, em sua defesa, alega o seguinte:
“Admito que o assassino é destro, como eu, que tem as mesmas impressões digitais que as minhas e que não usa barba nem bigode, como eu. Até se parece exatamente comigo nas fotografias da câmara de vigilância apresentadas pela defesa. Não, não tenho um irmão gêmeo. Na verdade, admito lembrar-me de ter cometido o homicídio! Mas eu e o homicida não somos a mesma pessoa, uma vez que sofri mudanças. A banda de rock preferida dessa pessoa eram os Led Zeppelin; agora prefiro Todd Rundgren. Essa pessoa tinha apêndice, mas eu não; o meu foi removido na semana passada. Essa pessoa tinha vinte e cinco anos de idade; eu tenho trinta. Eu e esse assassino de há cinco anos não somos a mesma pessoa. Portanto, não podem punir-me, pois ninguém é culpado de um crime cometido por outra pessoa”(Londres: Clarendon Press, 2005-Tradução de Vitor Guerreiro).
Como nos informa Siders “os filósofos refletem também na identidade ao longo do tempo de objetos [...] o que faz com que uma árvore, bicicleta ou nação sejam a mesma coisa em momentos distintos?”. Algumas respostas giram em torno da existência da alma, da continuidade temporal ou continuidade psicológica (uma pessoa no passado é numericamente idêntica à pessoa no futuro, desde que esta tenha a memória da pessoa no passado, as suas características individuais, e por aí em diante, independente se a pessoa no passado e a pessoa no futuro sejam ou não espaço-temporalmente contínuas entre si). E há ainda filósofos contemporâneos, como Derek Parfit, que questionam por qual motivo a identidade é algo importante.
Em Ética Prática, Peter Singer, menciona uma outra definição do termo "humano", proposta por Joseph Fletcher, teólogo protestante e autor prolífico de escritos sobre temas éticos. Abaixo, os "indicadores de humanidade":
  • Autoconsciência
  • Autodomínio
  • Sentido do futuro
  • Sentido do passado
  • Capacidade de se relacionar com outros
  • Preocupação pelos outros
  • Comunicação
  • Curiosidade
Assim, quando dizemos que alguém é “muito humano”, não estamos nos referindo à espécie Homo Sapiens, mas ao nível de correspondência que este alguém possui em relação aos critérios acima.
Prossegue Peter Singer “os dois sentidos de ser humano não são coincidentes. O embrião, o feto subsequente, a criança gravemente deficiente mental e até mesmo o recém-nascido, todos são indiscutivelmente membros da espécie Homo sapiens, mas nenhum deles é autoconsciente nem tem um sentido do futuro ou a capacidade de se relacionar com os outros. Logo, a escolha entre os dois sentidos pode ter implicações importantes para a forma como respondemos a perguntas como "será que o feto é um ser humano?"”.
Singer conclui “A definição de Locke se aproxima da de Fletcher no quesito “racionalidade e autoconsciência”. É muito possível que Fletcher concordasse que estas duas características são centrais e que as restantes decorrem mais ou menos delas”.


Ética Prática, de Peter Singer (Martins Fontes, 2009 – Cap.4, págs. 96-99).



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